A Câmara Municipal de Santos, no litoral de São Paulo, deu um passo importante para a preservação da memória histórica local. Os vereadores aprovaram o Projeto de Lei 343/2025, que institui o Dia da Memória do Navio-Presídio Raul Soares no Calendário Oficial do município.
Uma data para não esquecer
A data escolhida para a celebração é 24 de abril. A proposta, de autoria da vereadora Débora Camilo (PSOL), altera a Lei Municipal 3.265/2016 e agora aguarda a sanção do prefeito Rogério Santos (Republicanos). O objetivo é marcar na história da cidade o início de um capítulo sombrio: a utilização do navio Raul Soares como prisão política após o golpe de 1964.
"O dia 24 de abril deu início a um capítulo que, embora extremamente duro, principalmente para as vítimas do cárcere injusto e seus familiares, deve ser marcado na História Santista", afirmou a parlamentar durante a defesa do projeto.
O navio do horror no Canal do Porto
O Raul Soares chegou ao Canal do Porto de Santos em 24 de abril de 1964, apenas 24 dias após a instauração do regime militar. A embarcação, construída na Alemanha em 1900 e já em estado deteriorado, foi rebocada do Rio de Janeiro a mando do Ministro da Marinha.
Não era a primeira vez que o navio servia a esse propósito macabro. Ele já havia sido usado como navio-prisão durante o Levante Comunista de 1935. Em 1964, seus porões alagados foram transformados em celas, e o antigo calabouço virou uma sala de tortura.
Em Santos, as principais vítimas foram sindicalistas – a cidade era um importante polo de mobilização trabalhista – e militares que se opuseram ao golpe. O aparato de repressão funcionou por aproximadamente seis meses, até novembro de 1964.
"Não é exagero dizer que naquele fétido navio foi instalado um verdadeiro centro de interrogatórios, repressão e tortura nos primeiros meses do regime de exceção", destacou a vereadora Débora Camilo. "A escolha de um navio, acreditamos, não foi ao acaso. Tinha também o intuito de ser um símbolo numa cidade portuária".
As vítimas e a luta por reparação
Não há um registro oficial preciso, mas estima-se que cerca de 150 pessoas tenham sido detidas arbitrariamente no Raul Soares, número que pode ser ainda maior. A falta de documentação é apontada pelo Memorial da Resistência como uma estratégia deliberada do regime para ocultar violações de direitos humanos.
Em 2024, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) deram início a um processo para buscar reparação pelos danos sofridos por trabalhadores portuários perseguidos e torturados naquela época.
Um inquérito produzido em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) reuniu milhares de documentos e depoimentos. O material comprova o vínculo da administração portuária, na época a Companhia Docas de Santos (CDS), com os órgãos de repressão do regime militar.
Após seu breve e terrível período como cárcere, o navio Raul Soares foi desmontado. Agora, mais de seis décadas depois, a cidade de Santos se prepara para institucionalizar a memória desse símbolo de resistência e de violência, garantindo que as novas gerações não esqueçam esse período crucial da história brasileira.