Um vídeo manipulado por inteligência artificial (IA) que circula nas redes sociais atribui ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux uma declaração falsa sobre a aprovação de anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro. A informação, que viralizou no TikTok, é #FAKE e foi desmentida pela assessoria de imprensa do Supremo.
O conteúdo falso e sua viralização
Publicado na quinta-feira, 27 de fevereiro, em uma conta no TikTok, o vídeo já havia sido visualizado mais de 54,2 mil vezes. Na descrição, o post afirmava: "Ministro Fux vai aprovar a anistia para soltar o Bolsonaro. Comente se você apoia". No material adulterado, Fux aparece dizendo: "Eu vou aprovar a anistia para o Bolsonaro. Ele não pode ser acusado de algo que ele não fez".
Na seção de comentários, diversos usuários demonstraram acreditar na veracidade do conteúdo, com mensagens de apoio ao ministro. A publicação ganhou força nas redes um dia depois de o ministro Alexandre de Moraes ter determinado o início do cumprimento de pena por Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão no caso da trama golpista.
Análise técnica comprova manipulação por IA
O Fato ou Fake submeteu o vídeo a duas ferramentas especializadas em detectar conteúdos sintéticos. A plataforma Hive Moderation apontou 70% de probabilidade de o material ter sido adulterado. Já a ferramenta DecopyAI, que analisa frames estáticos, indicou 100% de certeza de manipulação.
O diagnóstico técnico da DecopyAI destacou anomalias no vídeo: "O rosto apresenta um alisamento artificial e uma mescla não natural, especialmente nas áreas das bochechas e do maxilar. Há falta de textura natural da pele e de poros, e as sombras parecem inconsistentes".
Após consulta, a assessoria do STF respondeu por e-mail que "a informação [contida no vídeo] não é procedente".
A origem real do vídeo e o contexto jurídico
Uma busca reversa de imagens revelou que o vídeo falso foi criado a partir de uma entrevista real concedida por Fux ao portal Migalhas em 4 de novembro de 2024, na Universidade de Málaga, na Espanha. No conteúdo original, o ministro não falou sobre anistia, mas sobre insegurança jurídica no Brasil, criticando o excesso de leis.
Especialistas consultados deixam claro que a anistia é uma competência exclusiva do Congresso Nacional. Thúlio Guilherme Nogueira, mestre em direito processual, explica: "A anistia, no constitucionalismo brasileiro, é um ato político de competência exclusiva do Congresso Nacional... É ali, e não no Judiciário, que se decide se o Estado renunciará ao seu poder punitivo".
A professora Jenifer Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, complementa: "Obviamente, qualquer tipo de manifestação no sentido de que o membro do Poder Judiciário votaria a favor ou contra determinado projeto legislativo tem um caráter falso".
O voto de Fux e o projeto de anistia no Congresso
Em 10 de setembro, durante o julgamento do ex-presidente, Fux foi o único entre os quatro ministros da Primeira Turma do STF a votar pela absolvição de Bolsonaro em todos os cinco crimes. Esse posicionamento fez com que parlamentares da oposição ao governo Lula passassem a enxergar no voto um argumento para alavancar o projeto de anistia no Legislativo.
Em 17 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência na tramitação do Projeto de Lei da Anistia, permitindo que o texto fosse votado diretamente no plenário. No entanto, até a última atualização desta reportagem, a votação não havia sido pautada pelo presidente da Casa, Hugo Motta.
O caso ilustra o risco crescente da disseminação de desinformação utilizando tecnologias de deepfake e inteligência artificial, que podem atribuir declarações falsas a autoridades e influenciar o debate público com narrativas fabricadas.
