O julgamento por corrupção da ex-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, aproxima-se do desfecho, com detalhes chocantes que expõem um esquema meticuloso de subornos documentado literalmente em cadernos. A líder peronista, que cumpre prisão domiciliar, enfrenta novas condenações no chamado "processo dos cadernos", um caso que escancara o cinismo da corrupção durante seus governos e o de seu falecido marido, Néstor Kirchner.
Os Cadernos que Condenam: A Rota do Dinheiro Vivo
O núcleo da acusação repousa sobre uma evidência quase inacreditável: cadernos manuscritos que detalham a entrega de subornos durante anos. Os registros foram feitos por Óscar Centeno, motorista de Roberto Baratta, um funcionário do Ministério do Planejamento e operador direto do fluxo de dinheiro destinado ao casal Kirchner.
Centeno anotou meticulosamente horários, endereços, quantias e os envolvidos em 128 episódios de pagamentos ilícitos. Donos de construtoras enviavam comissões em sacolas para ganhar concorrências públicas, um método que enriqueceu políticos e partidos. Inicialmente, o motorista afirmou ter queimado os cadernos, mas a Justiça conseguiu obter pelo menos seis volumes, que ele havia deixado com um amigo ex-policial como forma de se proteger.
Cofres em Casa e Malas de Dinheiro no Apartamento
As investigações e os depoimentos dos "arrependidos" (delatores premiados) pintam um quadro de audácia. O apartamento da rua Uruguai, no elegante bairro de Recoleta, em Buenos Aires, era um dos destinos frequentes das sacolas. Atualmente, Cristina cumpre prisão domiciliar em outro imóvel, na rua São José.
O empresário Claudio Uberti, um dos colaboradores da Justiça, relatou ter visto cerca de vinte malas com dinheiro dentro do apartamento dos Kirchner. Na província de Santa Cruz, terra política do casal, cofres de grandes dimensões foram instalados para guardar as propinas. Em uma única transação, documentada por Centeno, foram entregues 500 mil dólares.
Repercussão Política e a Ascensão de Milei
O escândalo ajuda a explicar a profunda rejeição que levou à eleição do libertário Javier Milei e à vitória de seu partido nas últimas eleições legislativas, tornando-o a maior força no Congresso argentino. Enquanto isso, o peronismo, tradicionalmente hegemônico, está fragmentado em correntes internas que se antagonizam, com muitos responsabilizando Cristina pelo fiasco eleitoral.
Milei, longe do naufrágio político que muitos previam, demonstrou habilidade. Sua irmã e estrategista, Karina, chamada pejorativamente de "boleira" pelos opositores, consolidou-se. O presidente agora convoca sessões extraordinárias do Congresso para discutir reformas fiscais, trabalhistas e penais, aproveitando o clima de repúdio à corrupção da era Kirchner.
A situação econômica argentina, especialmente a cambial, segue sendo um desafio premente. No entanto, a exposição da "montanha de sujeiras" do kirchnerismo beneficia o governo atual. Para Cristina Kirchner, escapar das punições dentro do Estado de Direito exigiria uma mudança política radical e uma anistia eventual. Ironia do destino, foi um modesto motorista, Óscar Centeno, quem pregou os pregos decisivos no caixão político daquela que já foi chamada de "rainha Cristina".