Lira assume papel de destaque em cerimônia do IR
Aliados do presidente Lula avaliam que o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), demonstrou nesta quarta-feira (26) capacidade para atuar como um dos principais interlocutores do Palácio do Planalto no Congresso Nacional. O momento é marcado por tensões significativas com a atual cúpula do Legislativo.
Lira teve protagonismo durante a cerimônia de sanção da isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que ganham até R$ 5.000 mensais. O parlamentar foi relator da proposta na Câmara e discursou no evento, considerado um dos atos políticos mais importantes do terceiro governo Lula.
Ausências que falam mais que presenças
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), foram convidados para a cerimônia, mas optaram por não comparecer. A ausência foi interpretada como um claro recado de insatisfação com a relação atual com o governo federal.
Ambos os parlamentares teriam direito a discursar no evento, mas preferiram se ausentar, evidenciando o estremecimento nas relações institucionais.
Fortalecimento político em meio à crise
Segundo avaliação de aliados do Planalto, Lira saiu fortalecido do evento e demonstrou que possui capital político para mediar a relação entre Executivo e Legislativo. O momento é particularmente delicado devido aos atritos com Motta e críticas à atuação do atual presidente da Câmara.
Como revelado pela Folha de S.Paulo, Motta rompeu com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), acentuando a crise política. A cúpula da Câmara aleja que vive um momento difícil com o Palácio do Planalto, reclamando de suposta falta de cumprimento de acordos estabelecidos e baixa execução orçamentária.
O grupo de Motta também acusa o governo federal de incentivar e promover ataques à imagem da Câmara junto à opinião pública. Nesse contexto, interlocutores do parlamentar afirmaram que não havia clima adequado para sua participação na cerimônia.
Discurso de conciliação
Na ausência de Motta, Lira aproveitou para fazer um discurso conciliador, com elogios ao presidente Lula e a integrantes do governo, como a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais). O parlamentar defendeu abertamente o diálogo como solução para os impasses.
Lira começou seu discurso parabenizando Lula pela sanção da norma e afirmando que teve "a honra" de conviver com o petista nos últimos dois anos, durante sua gestão à frente da Câmara. "Tivemos e temos a relação institucional mais próspera, correta, tranquila e sempre institucional voltada ao equilíbrio das votações importantes para o Brasil", declarou.
O ex-presidente da Câmara também afirmou que é sempre "um prazer" para os dirigentes quando conseguem "honrar compromissos de campanha da forma como foram feitos".
Estratégia política e eleições 2026
O aumento na isenção do IR foi promessa de campanha de Lula em 2022. O governo optou por segurar a sanção da norma para dar mais visibilidade ao tema, considerado uma das principais apostas do Planalto para alavancar a popularidade do presidente antes das eleições de 2026.
Para um presidente de partido do centrão, o espaço ocupado por Lira na cerimônia representa um revés para Motta, que acabou ofuscado politicamente. Por outro lado, aliados ressaltam que o atual presidente da Câmara mantém apoio e respeito entre os deputados.
Relação conturbada
Interlocutores de Motta minimizam a ausência do parlamentar no evento e qualquer eventual disputa de protagonismo com Lira. Um aliado afirmou que Motta conversou com Lira mais cedo na quarta-feira para informar que não participaria da cerimônia e que estava ciente de que o ex-presidente da Câmara faria um discurso.
Motta foi eleito presidente da Câmara em fevereiro, em uma articulação capitaneada pelo próprio Lira, que contou com apoio quase majoritário dos partidos da Casa. Desde então, no entanto, houve um claro estremecimento na relação entre os dois políticos.
Um interlocutor frequente de Motta afirma que já era esperado que Lira faria um discurso em tom elogioso e que não há ruídos entre os dois. Ele também ressalta que a pauta da Câmara cabe a Motta e que a discussão de outros temas, excluindo a isenção do IR, não passou por Lira.
Reações e consequências políticas
Dois parlamentares governistas avaliaram como positiva a postura do ex-presidente da Câmara. Eles disseram que, para o governo, quanto mais interlocutores puderem facilitar a relação com o Congresso, melhor.
Um aliado de Lula considerou como um grande erro político a ausência dos dois chefes do Legislativo na cerimônia, dada a importância da proposta sancionada. Segundo essa avaliação, o gesto consolida uma imagem de que o Congresso está distante dos interesses populares.
Além disso, a decisão faz com que a Câmara e o Senado percam o protagonismo que poderiam ter junto ao Executivo com a aprovação de uma matéria extremamente popular. Na avaliação desse interlocutor, Lira sai da cerimônia com maior peso político, num momento em que também é questionada a legitimidade de Motta na Câmara.
Panorama partidário
De modo geral, petistas minimizam o desgaste com Motta, mas deixam claro que Lindbergh tem o apoio da bancada. Eles afirmam que momentos de tensionamento são comuns na política e veem Lira como um articulador político habilidoso, que pode ajudar a contornar a situação atual.
Durante a cerimônia, Lira mencionou pelo menos duas vezes o nome de Hugo Motta em sua fala, agradecendo a decisão dele em designá-lo relator e a condução da votação em plenário. "É uma iniciativa essencial para o fortalecimento da justiça tributária no Brasil, cuja relatoria me foi confiada pelo excelentíssimo senhor presidente da Câmara, Hugo Motta, a quem agradeço a confiança e ao permanente apoio ao longo de todo o processo", afirmou.
O parlamentar também destacou que a aprovação na Câmara, que foi unânime, se deu sob "condução do presidente Hugo". Em seguida, reforçou a importância do diálogo: "Essa unanimidade não é mero detalhe. Ela demonstra, presidente Lula, o tamanho dessa vitória para o seu governo e para o Brasil, para o povo brasileiro. E a importância de algo que considero elemento fundamental em qualquer construção republicana: diálogo".