África do Sul declara violência de gênero como desastre nacional
África do Sul declara violência de gênero desastre

Protestos históricos forçam governo a reconhecer crise de feminicídio

Em um dia marcado por mobilizações massivas, o governo da África do Sul declarou oficialmente a violência de gênero e o feminicídio como um "desastre nacional". A decisão histórica ocorreu nesta sexta-feira, 21 de novembro de 2025, respondendo à pressão de milhares de mulheres que foram às ruas em protestos coordenados em todo o país.

O movimento Women's Shutdown convocou as sul-africanas a "parar o país por um dia", estrategicamente programado para a véspera da Cúpula dos Líderes do G20, que acontecerá nos dias 22 e 23 de novembro na capital nacional. A timing não foi por acaso - as manifestantes buscaram aproveitar a atenção internacional sobre o país.

Protestos simbólicos e números alarmantes

O ponto alto dos protestos ocorreu ao meio-dia, quando centenas de mulheres se deitaram no chão por 15 minutos em memória das 15 mulheres assassinadas diariamente no país. A cena se repetiu em Constitution Hill, Joanesburgo, e em outras cidades como Cidade do Cabo e Durban, com participantes faltando ao trabalho para participar dos atos.

O presidente Cyril Ramaphosa já havia sinalizado a intenção de elevar o problema a status de desastre durante a Cúpula Social do G20, realizada na véspera. Entretanto, foi a pressão popular que acelerou a formalização do reconhecimento pelo Ministério da Governança Cooperativa.

Novos mecanismos de combate à violência

Com a nova classificação de desastre nacional, os órgãos públicos ganham instrumentos importantes para enfrentar a crise. Orçamentos poderão ser realocados para ações emergenciais de prevenção, proteção e atendimento às vítimas. Se as medidas iniciais não surtirem efeito satisfatório, o governo poderá decretar estado de desastre nacional, ampliando ainda mais os instrumentos de intervenção e acelerando decisões administrativas.

O Ministério justificou a mudança de posição com base em nova análise de dados oficiais e relatórios enviados por organizações da sociedade civil, que comprovaram a urgência e o caráter estrutural da violência contra mulheres e meninas no país.

Reações e desafios futuros

O movimento Women's Shutdown comemorou a decisão nas redes sociais, afirmando que a pressão popular "forçou o país a encarar a realidade". O grupo, que organiza campanhas de denúncia e apoio a vítimas, vinha criticando a falta de implementação de normas aprovadas desde 2019, quando o governo reconheceu a violência de gênero como crise nacional.

A mobilização ganhou dimensões internacionais e digitais, com celebridades como a cantora Tyla e apoiadores em países como Namíbia, Quênia e Essuatíni replicando o protesto e adotando o chamado "movimento roxo". A cor está associada ao combate à violência de gênero e foi amplamente utilizada em fotos e símbolos compartilhados nas redes sociais.

Entretanto, especialistas alertam que, apesar do valor simbólico e dos mecanismos práticos oferecidos pela nova classificação, a medida ainda é insuficiente diante da magnitude do problema. Organizações feministas destacam que o efeito real da mudança de status dependerá da capacidade do governo de transformar o reconhecimento do "desastre" em políticas concretas, transparentes e sustentadas no longo prazo.

Enquanto isso, frustradas pela lentidão do Estado em abordar o problema de forma eficaz, muitas mulheres sul-africanas continuam recorrendo a iniciativas privadas de proteção, num cenário onde a violência de gênero segue ceifando vidas diariamente.