Ex-ministro da Fazenda analisa política monetária do BC
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que ocupou o cargo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, manifestou duras críticas ao atual patamar da taxa básica de juros da economia brasileira. Em análise exclusiva obtida pela redação, Mantega classificou a Selic de 15% ao ano como "absurda", mas surpreendentemente concordou com a maioria do mercado financeiro sobre o timing adequado para o início do ciclo de baixa.
Timing do corte de juros e preocupações cambiais
Segundo o economista, embora existam condições econômicas que justificariam reduções imediatas dos juros, o Banco Central agiu corretamente ao adiar o início do ciclo de flexibilização monetária para janeiro de 2026. Mantega defende que, a partir de janeiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria implementar cortes mais agressivos, de 0,5 ponto percentual, em vez dos tradicionais 0,25 ponto percentual usualmente praticados pelo mercado.
Em mensagem enviada a colegas economistas, o ex-ministro argumentou: "Para compensar esse atraso na redução dessa Selic absurda, o BC deveria começar a redução com 0,5% ao invés de 0,25%". A declaração refere-se à decisão do Copom na última quarta-feira, 5 de novembro de 2025, quando a autarquia manteve a taxa Selic em 15% pelo sexto encontro consecutivo.
Impacto da nova taxação de dividendos
A principal justificativa para a postura cautelosa do Banco Central, segundo a análise de Mantega, está relacionada à recente aprovação da reforma tributária que isenta de Imposto de Renda pessoas que ganham até R$ 5.000 e aumenta a tributação sobre os mais ricos. O pacote inclui a introdução de uma taxação de 10% sobre parte dos dividendos, que atualmente são isentos, incluindo todos os dividendos distribuídos para investidores estrangeiros.
Mantega alerta que as novas regras podem causar uma fuga atípica de dólares no final de 2025, já que o novo imposto começará a ser cobrado sobre dividendos contabilizados a partir de 2026. Dividendos apurados e aprovados ainda em 2025 terão uma janela até 2028 para serem pagos sem a incidência da nova tributação.
"Apesar da redução do juro do Fed e do fluxo de capitais altamente positivo até outubro, o BC está preocupado com o forte aumento das remessas de lucros e dividendos que costuma ocorrer no final do ano", explicou o economista, referindo-se ao comportamento observado no ano anterior.
Contexto internacional e perspectivas
O cenário internacional oferece algum alívio para o Brasil, com o Federal Reserve (Fed) retomando os cortes de juros nos Estados Unidos em setembro de 2025 após quase um ano de adiamentos. Essa movimentação permite que outros países, que competem com os títulos americanos pelo capital global, também possam reduzir suas próprias taxas de juros.
Mantega também citou a desaceleração gradual tanto da inflação quanto da atividade econômica como fatores que sustentam um ambiente mais favorável para o início do ciclo de cortes. No entanto, reconheceu que o comunicado do Copom da última semana, embora tenha mostrado uma "pequena inflexão" ao reconhecer o recuo inflacionário e a desaceleração das atividades, não foi suficiente para justificar o início da redução da Selic já em dezembro.
O ex-ministro, que hoje atua como consultor no setor privado e declarou não ter planos de retornar à administração pública, mantém-se como uma voz influente nos debates econômicos nacionais. Sua trajetória inclui passagem pelo Ministério do Planejamento, presidência do BNDES e nove anos à frente da Fazenda, entre 2006 e 2014.