Escritor Ruandês Revela: O Genocídio Engoliu Nossas Palavras e Nossos Gritos
Genocídio engoliu nossas palavras, diz autor ruandês

Imagine tentar escrever sobre o inenarrável. Gaël Faye, esse ruandês-francês de voz suave e olhar que já viu demais, enfrenta exatamente esse dilema cada vez que senta para criar. Ele confessa, com uma honestidade que corta como faca: "O genocídio engoliu nossas palavras, nossos gritos, nossa capacidade de expressar o horror".

Não é sobre falta de vocabulário, entenda bem. É sobre algo muito mais profundo — como se a linguagem comum, aquela que usamos no dia a dia, simplesmente traísse diante da magnitude do que aconteceu em Ruanda em 1994.

Quando as Palavras Falham

Faye descreve uma sensação quase física de impotência. "As palavras parecem pequenas demais, inadequadas", reflete. "Como capturar o cheiro da morte, o som do medo, a textura do ódio?" Perguntas que ecoam sem resposta fácil.

Seu processo criativo tornou-se uma busca por novas formas de expressão. Às vezes, é na poesia que encontra algum refúgio. Outras, na música — não por acaso, ele também é rapper. Mas a verdade é que nenhum meio parece totalmente suficiente.

A Memória Que Não Saira no Sangue

O mais intrigante? Faye nem estava em Ruanda durante o genocídio. Estava na França, seguro, mas carregando o peso de uma tragédia que atingiu sua família, seus amigos, seu povo. Essa distância geográfica criou uma complexidade emocional adicional — o sentimento de culpa do sobrevivente, a angústia de não ter estado presente.

"Às vezes me pergunto se tenho o direito de falar sobre isso", admite. "Mas depois lembro que o silêncio é que seria a verdadeira traição."

Escrever Como Ato de Resistência

Seu romance "Pequeno País" não é apenas um livro — é um monumento literário à resistência. Através dos olhos de uma criança, Faye consegue abordar o horror sem ser explícito, mostrando mais pelo que omite do que pelo que revela.

É uma lição magistral sobre como a literatura pode, sim, enfrentar o indizível, mesmo quando as palavras parecem falhar. Não através do grito, mas do sussurro. Não pela descrição gráfica, mas pela sugestão.

No final, talvez seja isso que Faye nos ensina: que escrever sobre trauma não é sobre encontrar as palavras perfeitas, mas sobre criar novas linguagens onde as antigas já não servem. E nesse processo, encontrar não apenas a cura pessoal, mas a possibilidade de que futuras gerações possam entender — sem precisar viver — o horror.