O Mundo Perde uma Voz Única: A Despedida Comovente de Luis Fernando Verissimo em Porto Alegre
Multidão se despede de Verissimo em Porto Alegre

O céu de Porto Alegre parecia mais cinza nesta sexta-feira. Quem circulava pelo Centro Histórico da capital gaúcha sentia no ar aquela estranha sensação de vazio que só a partida de um gênio deixa. E cá entre nós, Verissimo era exatamente isso — um gênio do cotidiano, daquelas raríssimas mentes capazes de transformar o banal em extraordinário.

No saguão da Assembleia Legislativa, o silêncio era quebrado apenas por sussurros e passos lentos. Uma fila interminável — gente de todas as idades, classes, estilos — aguardava pacientemente para dar o último adeus. Tinha desde senhoras de cabelos brancos que acompanhavam suas crônicas há décadas até jovens com livros gastos nas mãos, todos unidos por uma mesma dor silenciosa.

O caixão, coberto pela bandeira do Rio Grande do Sul, repousava cercado por flores brancas. Branco, talvez a única cor capaz de representar tanto a paz quanto a imensidão da perda. Ao redor, fotografias do escritor contavam sua história em instantâneos: Verissimo sorridente, pensativo, sempre com aquele olhar penetrante que parecia enxergar além das aparências.

Palavras que ecoam na despedida

Martha, sua companheira de vida e de tantas histórias, chegou apoiada nos filhos. Dava para ver nos olhos dela não só a tristeza, mas um orgulho imenso da obra que deixavam para o mundo. "Ele faria piada com essa comoção toda", disse alguém num canto do salão, provocando sorrisos saudosos entre os presentes. E de fato faria — seu humor irreverente era sua marca registrada, mesmo diante da seriedade da vida.

Os políticos compareceram, sim, mas hoje não eram figuras partidárias. Eram apenas leitores agradecidos. O governador Eduardo Leite chegou discreto, evitando holofotes num momento que pedia reverência. "Perdemos não apenas um grande escritor, mas um pedaço da nossa identidade cultural", confessou, com a voz levemente embargada.

O legado que permanece vivo

Ah, o legado! Como medir o impacto de alguém que fez rir e pensar simultaneamente? Suas crônicas — essas pérolas de sagacidade — continuarão vivas nas prateleiras das livrarias, nas mesinhas de cabeceira, nas citações que surgem inesperadamente em conversas de bar. Verissimo tinha o dom raro de falar sobre coisas sérias sem ser enfadonho, e sobre coisas leves sem ser superficial.

Fora do prédio, uma cena comovente: pessoas lendo trechos de suas obras em voz baixa, como se recitassem mantras de conforto. Um senhor, com as mãos trêmulas, segurava um exemplar gasto de "O Analista de Bagé". Uma jovem com o rosto marcado pelas lágrimas lia "O Mundo é Bárbaro" como quem busca conselho num momento de desorientação.

O cortejo seguiu depois para o crematório privado, num último trajeto pelas ruas da cidade que ele tanto amou e retratou. Porto Alegre pareceu, por algumas horas, reconhecer que perdia um de seus filhos mais brilhantes. As bandeiras nas janelas estavam a meio mastro, mas o humor inteligente e a prosa afiada de Verissimo permanecerão sempre no topo da nossa literatura.

Restam os livros. Restam as memórias. Resta a gratidão por ter compartilhado conosco seu olhar singular sobre o mundo — um mundo que, sem ele, ficou definitivamente menos interessante.