
Numa tarde que misturou saudosismo e celebração, o Palácio de Ondina virou palco para algo que vai além do protocolo — uma justa reverência a uma voz que ecoa há décadas pelos becos e avenidas da Bahia. A Rádio Sociedade, aquela que teimou em não calar mesmo quando os ventos sopravam contra, recebeu das mãos do governador Jerônimo Rodrigues um reconhecimento que chega tarde, mas chega com o peso de quem entende seu lugar na história.
"Isso aqui não é só um transmissor e uns fios", disparou o secretário de Cultura, arrancando risos da plateia, "é a memória viva de um povo que aprendeu a se escutar através das ondas do rádio". E não é que ele tem razão? Quantas gerações não cresceram ao som das radionovelas que a emissora produzia nos anos 50, ou das coberturas políticas que sacudiam o estado nos tempos de chumbo?
Um acervo que vale ouro
O que pouca gente sabe — e a cerimônia deixou claro — é que nos porões da Rádio Sociedade dormem verdadeiras relíquias. Fitas magnéticas com discursos de políticos históricos, registros sonoros de festas populares que já não existem, até jingles comerciais de empresas que viraram pó. "É como se alguém tivesse guardado a Bahia em caixas de som", filosofou uma das técnicas presentes, enquanto ajustava o microfone para mais um depoimento emocionado.
E olha que a coisa não para no passado: a velha dama das ondas médias segue reinventando-se. Nos últimos cinco anos, abriu espaço para podcasts produzidos por jovens da periferia, criou programas em línguas indígenas e até transmite partidas de capoeira com narração ao vivo. Quem diria que um equipamento que muitos consideravam obsoleto ainda teria tanta lenha para queimar?
O discurso que arrepiou
Quando o governador pegou o microfone, a coisa ficou séria. Sem aquele papo furado de político, Jerônimo lembrou como o avô dele — um simples vendedor de acarajé — acompanhava os jogos do Bahia através da Rádio Sociedade. "Naquele tempo, rádio não era entretenimento, era sobrevivência", disparou, fazendo vários presentes esfregarem os olhos disfarçadamente.
Agora o negócio é outro: além da placa comemorativa (que vai ficar exposta no hall de entrada da emissora), o governo prometeu incluir o acervo da rádio no programa de digitalização de patrimônios culturais. Traduzindo: aquelas fitas mofadas vão virar arquivos digitais acessíveis para pesquisadores e curiosos. Alguém aí duvida que vai sair até documentário na Netflix sobre essa história?
Enquanto os convidados saboreavam um coquetel regado a acarajé (claro!) e cocada, um detalhe chamou atenção: no canto do salão, um grupo de radialistas aposentados — alguns com mais de 80 anos — não parava de rir e contar casos. Pareciam adolescentes revivendo velhas travessuras. E talvez essa seja a maior homenagem possível: quando uma emissora não só registra histórias, mas vira parte indelével da vida de quem por ela passou.