Seu Ficão, ícone das corridas de rua em Itapetininga, morre aos 86 anos — uma lenda que deixou marcas no asfalto e no coração da cidade
Morre Seu Ficão, lenda das corridas em Itapetininga, aos 86 anos

Não era só um corredor. Era um furacão de energia, um contador de histórias com tênis no pé. Seu Ficão, nome que ecoava nas ruas de Itapetininga como um sino de igreja no domingo, partiu aos 86 anos — mas deixou um rastro de suor, sorrisos e superação.

Quem viveu na cidade nas últimas décadas conhece a cena: o homem magro, pernas finas como gravetos, mas com um pulmão que parecia de aço, cortando o asfalto sob sol ou chuva. "Corria até se faltasse asfalto", brincava Dona Marta, dona do boteco onde ele parava para um café depois dos treinos.

Mais que um atleta, um personagem

Nascido em 1939, Francisco Almeida — o Ficão — começou a correr tarde, aos 45 anos, depois que o médico alertou sobre a pressão alta. O remédio? Uma volta no quarteirão. Viraram dez. Depois, maratonas. Até que, sem querer, virou atração turística.

  • 1989: Primeira corrida oficial — chegou em 152º lugar, mas foi o mais aplaudido
  • 1997: Criou o grupo "Correndo com o Ficão", que reunia jovens da periferia
  • 2015: Recebeu a chave da cidade pelo prefeito: "Nosso Usain Bolt de chinelo"

Não tinha patrocínio chique. Seu uniforme era camiseta de time velha e shorts que já foram azuis. Mas quando passava, as pessoas paravam. Crianças gritavam. Velhos batiam palma. Era o herói comum que todo mundo amava.

O legado que não para de correr

Na última segunda-feira, enquanto dormia, seu coração — aquele que aguentou tantas subidas — resolveu descansar. A notícia se espalhou rápido que nem tiro de largada. Na praça central, um grupo de corredores improvisou uma homenagem: 86 voltas simbólicas, uma para cada ano de vida.

"Ele me ensinou que persistência não é sobre velocidade, é sobre não parar", diz Ricardo, 34, que largou as drogas graças aos treinos com Ficão. Histórias como essa são moeda corrente na cidade.

O velório? Lotado. Gente de todo tipo — atletas de elite, mães de família, até o carteiro que ele cumprimentava nas ruas às 5h. Todos com uma história, um "quando eu vi o Ficão..." pra contar.

Itapetininga perdeu mais que um corredor. Perdeu um pedaço da sua alma — aquela parte teimosa, alegre e cheia de gás que nunca aceitou atalhos. Como dizia ele, entre uma respirada e outra: "O segredo é ir. Nem que seja devagar, mas ir".