
O Brasil perdeu, na noite desta quinta-feira (5), uma de suas vozes mais potentes e necessárias. Silvio Tendler, aquele que muitos de nós chamaríamos de 'o cineasta da nossa memória', partiu aos 75 anos. A notícia, seca e dura, veio de familiares – uma septicemia, uma infecção generalizada, no Rio de Janeiro. O que fica? Uma obra monumental.
Pense bem. Quantos filmmakers conseguem, de fato, gravar seu nome na história de um país? Tendler foi um deles, e com sobras. Seus documentários não eram apenas filmes; eram aulas de cidadania, pedaços de um quebra-cabeça histórico que ele teimosamente ajudou a remontar para todos nós.
O Legado que Nunca Será Apagado
Algumas obras simplesmente definem uma carreira. No caso dele, são várias. Jango (1984) – ah, esse é daqueles que todo mundo já viu ou, pelo menos, devia ter visto. Um retrato cru e necessário de um presidente derrubado pela sanha dos autoritários. E Os Anos JK (1980), outro tijolo fundamental para entender o Brasil moderno. Mas sua filmografia vai muito além, é uma verdadeira enciclopédia audiovisual das nossas lutas e contradições.
Não era só sobre o passado, sabia? Tendler tinha um faro incrível para o presente. Em 2021, lançou O Veneno Está na Mesa, um soco no estômago que escancarou os perigos dos agrotóxicos – falou do campo, mas ecoou na cidade, na mesa de cada um. Corajoso, sempre.
Mais que um Diretor, um Educador
O que sempre me impressionou nele não era apenas a qualidade técnica, que era inquestionável. Era a paixão transbordante. Assisti a uma palestra dele certa vez, e o homem não falava sobre cinema – ele *respirava* política, história, Brasil. Seus filmes eram armas de construção massiva, feitos para informar, indignar e, principalmente, emancipar.
Ele não fazia documentários para uma bolha de especialistas. Fazia para o povo, para o estudante, para o trabalhador. Tinha a rara capacidade de tornar temas complexos em narrativas fascinantes, daquelas que grudam na gente. Quantos de nós não nos sentimos mais brasileiros – e mais conscientes – depois de mergulhar em um de seus trabalhos?
O velório será restrito à família, um momento de luto íntimo para quem nos deu tanto de forma tão pública. O corpo será cremado, mas a herança que deixa é, felizmente, inquebrável e eterna. O cinema – e o Brasil – está mais pobre hoje. Mas, graças a ele, também está muito mais iluminado.