
Quem passa por Penedo, aquela joia às margens do Rio São Francisco, já sabe: tem cheiro de história no ar. E agora, tem também o aroma inconfundível do cuscuz de arroz artesanal ganhando status oficial. Depois de séculos sendo passado de mãe para filha, essa tradição culinária acaba de ser reconhecida como patrimônio cultural imaterial.
Não é qualquer cuscuz, não. A receita – guardada a sete chaves por famílias locais – leva arroz socado no pilão, cozido no vapor da panela de barro e temperado com aqueles segredos que só as avós conhecem. "A gente aprende desde criança, vendo as mulheres da família fazerem", conta Dona Maria, de 72 anos, enquanto mexe a massa com movimentos precisos.
Mais que comida, identidade
O processo todo é quase uma cerimônia. Desde a seleção dos grãos até o ponto exato do cozimento – que, segundo as mestras cuscuzeiras, "tem que sentir na alma". E não adianta querer apressar: leva horas, às vezes dias inteiros, pra ficar no ponto.
O reconhecimento veio depois de um levantamento minucioso feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Eles documentaram não só a técnica, mas as histórias por trás de cada família que mantém viva essa tradição. "É um saber que carrega memórias afetivas, relações comunitárias e até noções de sustentabilidade", explica a pesquisadora Ana Lúcia.
O futuro do passado
Com o título, o município ganha não só prestígio, mas também a obrigação de preservar essa herança. Já estão nos planos oficinas para jovens e um festival anual – porque, convenhamos, ninguém resiste a um cuscuz quentinho acompanhado de um café coado no pano.
Enquanto isso, nas cozinhas de Penedo, o ritual continua. Panelas de barro no fogão à lenha, conversas ao redor do pilão e a certeza de que algumas coisas – felizmente – resistem à industrialização. Afinal, como dizem por lá: "tem tempero que não vem do saleiro, vem do coração".