As celebrações de Natal e Réveillon, momentos de grande alegria e confraternização, trazem à tona um debate sensível e recorrente: o uso de fogos de artifício com estampido. A prática, comum em muitas cidades, esconde riscos graves para a saúde pública e o bem-estar animal, preocupando famílias, profissionais da saúde e defensores dos animais.
Impactos na Saúde e no Comportamento Animal
A poluição sonora provocada pelos estouros vai muito além de um simples incômodo. Em pessoas, pode desencadear irritabilidade, distúrbios do sono e agravar condições metabólicas, cardiovasculares e digestivas. Grupos específicos são ainda mais vulneráveis.
Idosos, crianças neurodivergentes e pacientes hospitalizados podem sofrer crises de ansiedade severa e desregulação sensorial devido ao barulho súbito e intenso. Para indivíduos com sensibilidade auditiva elevada, como muitos autistas, a recomendação é buscar previsibilidade e usar equipamentos de proteção, como fones com cancelamento de ruído ou tampões intra-auriculares, para reduzir o impacto.
No mundo animal, os efeitos são dramáticos. Cães, gatos e aves possuem audição mais aguçada que a humana e interpretam os estrondos como uma ameaça direta. O estresse extremo pode levar a comportamentos de fuga desesperada.
Muitos animais, em pânico, se jogam de janelas, correm para ruas movimentadas e acabam atropelados ou perdidos. O Conselho Federal de Medicina Veterinária orienta os tutores a adotarem medidas protetivas durante as comemorações.
Como Proteger os Pets Durante os Fogos
Especialistas recomendam uma série de ações para amenizar o sofrimento dos animais de estimação:
- Permaneça próximo ao pet, oferecendo conforto e segurança.
- Mantenha-o em um ambiente fechado, silencioso e familiar, que abafe os ruídos externos.
- Utilize brinquedos e atividades relaxantes para distraí-lo.
- Considere o uso de faixas de compressão ou "roupas calmantes", que podem dar uma sensação de segurança.
- Em casos mais severos, consulte um veterinário sobre possíveis auxílios farmacológicos ou comportamentais.
O Cenário Legal no Brasil
No país, não há uma lei federal única que discipline ou proíba universalmente a prática. A regra mais antiga, um decreto de 1942, apenas proíbe a venda para menores de 18 anos de fogos com mais de 0,25 centigramas de pólvora e veta a queima perto de hospitais, escolas e na via pública.
Diante da lacuna federal, estados e municípios têm criado suas próprias normas. Maranhão, Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Amapá e o Distrito Federal possuem leis estaduais sobre o tema, geralmente proibindo fogos que ultrapassem um limite de decibéis, que varia entre 70 e 100 dB.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou a autonomia municipal nessa questão. A corte decidiu que as cidades têm legitimidade para aprovar leis que proíbam a soltura de fogos de artifício com estampido, validando uma legislação de Itapetininga (SP). Outras cidades paulistas como Caraguatatuba e Cubatão seguiram o mesmo caminho.
Em diversas capitais, como Belo Horizonte, Campo Grande, São Luís, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, a legislação local permite apenas fogos silenciosos ou com ruído limitado (até 120 decibéis) em eventos oficiais autorizados pela prefeitura.
No Congresso Nacional, a discussão avança. O Projeto de Lei 5/2022, já aprovado pelo Senado, aguarda votação na Câmara dos Deputados. O texto propõe proibir a fabricação, armazenamento, venda e uso de qualquer fogos de artifício que produza barulho acima de 70 decibéis em todo o território nacional.
Um Debate entre Tradição e Bem-Estar Coletivo
O conflito entre a tradição das festas barulhentas e a necessidade de proteger a saúde e o bem-estar de todos permanece. Enquanto a lei nacional não é definida, a conscientização pública e as normas municipais têm sido os principais instrumentos para mitigar os riscos. A escolha por fogos de artifício visuais, sem estampido, surge como uma alternativa possível para manter a magia das celebrações sem causar danos a pessoas e animais vulneráveis.