Um dado alarmante revela a realidade da violência fatal contra mulheres no Piauí: quase 90% das vítimas de feminicídio no estado não haviam registrado boletim de ocorrência (BO) contra seus agressores. A informação surge em meio aos números divulgados pela Secretaria de Segurança Pública, que contabilizou 35 casos deste crime hediondo até o início de dezembro de 2025.
Os números da tragédia no estado
Segundo o Núcleo de Estatísticas da SSP-PI, dos 35 feminicídios registrados no período, 27 ocorreram em cidades do interior e oito na capital Teresina. A série histórica entre 2022 e 2025, compilada pelo Núcleo de Estudos Avançados em Segurança Pública (DataSSP), aponta 182 notificações no estado. Em 2024, o ano anterior, foram contabilizados 40 assassinatos motivados por violência de gênero ou doméstica.
O feminicídio, crime definido como o assassinato de uma mulher em contexto de violência doméstica ou por discriminação de gênero, teve sua pena aumentada em outubro de 2024. Agora, a punição varia de 12 a 30 anos de prisão, podendo ser aumentada em um terço se a vítima estivesse grávida ou se o crime foi cometido na presença de filhos ou pais.
O perfil das vítimas e a escalada da violência
A delegada Eugênia Villa, diretora de Avaliação de Risco da SSP e criadora da primeira delegacia de feminicídios do Brasil, explicou ao g1 que o perfil das vítimas no Piauí segue a tendência nacional. Mulheres negras, com idades entre 30 e 40 anos, continuam sendo as maiores vítimas no estado.
"Apesar de uma redução significativa, as mulheres negras ainda são as maiores vítimas de feminicídio. Analisamos e as idades se diferenciam pouco, com a faixa entre 30 a 40 anos. Com essa média de idade, geralmente são mulheres que já consolidaram a vida sentimental e sexual, que provavelmente têm filhos", detalhou a delegada.
Ela também reforçou que o feminicídio raramente é um ato isolado. O crime costuma ser precedido por uma escalada de violência, que pode começar com xingamentos, ciúmes excessivos, piadas ofensivas, ameaças e controle. Essas humilhações verbais frequentemente evoluem para agressões físicas, como beliscões, empurrões e chutes. Em estágios mais graves, podem ocorrer confinamento, lesões corporais, ameaças com armas, abuso sexual, espancamento e, por fim, a consumação do feminicídio.
Casos que chocaram o Piauí em 2025
Os dados oficiais ganham rosto e história em casos concretos que abalaram diferentes regiões do estado ao longo do ano:
Maria Aurinete da Silva Nascimento, servidora pública, foi morta a facadas na zona rural de Esperantina em 22 de dezembro. O suspeito é seu companheiro, preso após o crime. Ela havia solicitado uma medida protetiva de urgência contra o marido apenas quatro dias antes do assassinato.
Em março, Jairane Moura da Silva, grávida de quatro meses, e seus dois filhos, Vinícius e João Gabriel, foram encontrados mortos a facadas dentro de casa em Paquetá. O ex-companheiro de Jairane, Jeneilton Araújo, foi preso e confessou o assassinato da mulher.
A comandante da Guarda Civil Municipal de Parnaíba, Penélope Brito, foi assassinada a tiros em Teresina no dia 27 de agosto, junto com seu companheiro, o vereador Thiciano Ribeiro. O principal suspeito, preso, é seu ex-marido, um guarda municipal. Penélope havia relatado a amigos que se sentia perseguida pelo ex após o fim do relacionamento.
Gisele Maria Pinheiro Pereira, de 33 anos, foi morta com cerca de 20 golpes de canivete dentro de seu apartamento em Teresina, em 5 de abril. Seu ex-companheiro, Pedro Rocha, foi preso no mesmo dia após confessar o crime à família. O casal havia se separado 15 dias antes, e o crime teria sido motivado por ciúmes.
Uma adolescente de 17 anos, Sarah Denise Alves dos Santos, foi assassinada com um tiro nas costas em julho, na zona rural de Beneditinos. O ex-namorado, preso como principal suspeito, morreu na prisão em dezembro.
Como e onde denunciar a violência contra a mulher
Diante do alto índice de subnotificação, é crucial divulgar os canais de denúncia e apoio. O principal canal é o Disque 180, central telefônica gratuita, nacional, sigilosa e disponível 24 horas por dia, incluindo finais de semana e feriados. O serviço oferece orientação e encaminha as vítimas aos órgãos competentes.
Em Teresina, existem diversos pontos de atendimento especializado:
- Central de Acolhimento Ei, mermã, não se cale! – WhatsApp: 0800 000 1673.
- Centro de Referência para a Mulher Francisca Trindade – Av. Petrônio Portela, 1900, Aeroporto. Telefone/WhatsApp: (86) 9433-0809.
- Casa da Mulher Brasileira (CMB) – Avenida Roraima, 2563, Aeroporto.
- Disque 190 – Para emergências, acionando a Polícia Militar.
- Ouvidoria da Secretaria da Mulher do Piauí: 86 994326900.
Além disso, a capital conta com cinco Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) distribuídas por regiões (Centro, Norte, Sul, Sudeste e na Casa da Mulher Brasileira), e uma Delegacia Especializada em Feminicídio localizada no bairro Vermelha. A Central de Flagrantes de Atendimento à Mulher, na Rua Coelho de Resende, Centro-Sul, funciona 24 horas.
Os dados e os casos recentes reforçam a necessidade urgente de quebrar o silêncio. A denúncia pode ser o primeiro passo para interromper o ciclo de violência e salvar vidas.