Vítima de casamento forçado no Paquistão relata abuso e escravidão no Reino Unido
Casamento forçado: vítima relata abuso e escravidão no Reino Unido

Sara (nome fictício), uma jovem de 21 anos, tornou-se vítima de um casamento forçado no Paquistão e posteriormente sofreu abusos físicos e psicológicos do marido e da sogra após ser levada para o Reino Unido. Seu relato expõe a realidade sombria de um crime que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.

Da promessa de vida melhor à realidade da servidão

Após um casamento arranjado contra sua vontade, Sara foi levada para o Reino Unido em 2022 com a promessa de uma vida matrimonial feliz. Em vez disso, encontrou isolamento, controle e violência. Seu marido e sua sogra rapidamente impuseram restrições severas, proibindo-a de sair de casa, trabalhar ou ter qualquer independência.

"Ele costumava acender um isqueiro no meu rosto para me assustar e dizia: 'Vou queimar você'", relembra Sara sobre os abusos iniciais. A situação deteriorou-se quando ela foi obrigada a realizar todas as tarefas domésticas, sendo tratada como "criada" e "servente" pela família do marido.

A escalada da violência e o pedido de socorro

A violência física começou com empurrões, chutes e arremesso de objetos. O ponto de ruptura ocorreu quando Sara questionou por que o wi-fi de seu celular havia sido desligado, isolando-a completamente de seus familiares no Paquistão. Em resposta, o marido jogou um controle remoto e chaves em seu rosto, agarrou-a pelo pescoço e a bateu contra a parede.

"Ele me agarrou pelo pescoço. Me empurrou contra a parede. Me bateu três ou quatro vezes na cabeça", descreve Sara, que achou que iria morrer durante o ataque. Sua sogra, que presenciou a agressão, apenas insistiu que ela deveria ter ficado calada.

Após passar a noite inteira chorando e com o rosto inchado, Sara encontrou coragem para ligar para a polícia às seis da manhã. Cinco minutos depois, os oficiais estavam à porta. Eles a encontraram tremendo e encolhida em um canto do quarto, com a pressão arterial baixa e o coração acelerado.

O panorama global dos casamentos forçados

O caso de Sara não é isolado. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2021 estima que cerca de 22 milhões de pessoas vivem em casamentos forçados em todo o mundo. Na América Latina e no Caribe, uma em cada cinco mulheres se casa ou entra em união antes dos 18 anos, sendo a maioria dessas uniões informais, segundo dados do Unicef de 2023.

No Reino Unido, o casamento forçado tornou-se crime em 2014, com pena de até sete anos de prisão. No entanto, as estatísticas oficiais mostram apenas 30 processos legais e 16 condenações no ano passado, números que organizações beneficentes consideram subnotificados.

A organização Karma Nirvana, que auxilia vítimas no Reino Unido, recebeu 624 ligações em sua linha de ajuda em 2024 - quase o triplo das 229 chamadas registradas pela Unidade de Casamentos Forçados do Ministério do Interior britânico.

Reconstruindo uma vida livre

Após ser resgatada pela polícia em dezembro de 2022 e levada para um abrigo em Leeds, no norte da Inglaterra, Sara enfrentou um dilema. Seu marido foi preso, mas ela optou por não prosseguir com acusações formais por preocupação com a segurança de sua família no Paquistão.

Em julho de 2023, Sara finalmente conseguiu o divórcio. Ela decidiu não retornar ao Paquistão, onde mulheres divorciadas enfrentam estigma social e o risco de serem forçadas a novos casamentos. Atualmente, ela tem residência permanente no Reino Unido, está aprendendo inglês e reconstruindo sua vida em Derbyshire, na região central da Inglaterra.

"Quando você tem um casamento forçado, você está arruinando a vida da outra pessoa", reflete Sara. "Não é só a vida da mulher que é arruinada, a dos homens também. Primeiro, deveríamos refletir sobre isso, observar e compreender."

Iniciativas para combater o problema

Diante da falta de dados confiáveis sobre a real dimensão do problema, o Ministério do Interior britânico anunciou que conduzirá um estudo para avaliar a frequência de casamentos forçados no país. A pesquisa, desenvolvida em parceria com as universidades de Nottingham e Birmingham, deve ser concluída em março e será a primeira desse tipo na Inglaterra e no País de Gales.

"Se não soubermos quantas pessoas são afetadas, nem tivermos dados de referência sobre quantas pessoas estão envolvidas, não poderemos determinar se a polícia, a Promotoria da Inglaterra e do País de Gales ou qualquer outra entidade deveria alterar suas práticas", explica a professora Helen McCabe, da Universidade de Nottingham.

A ministra de Proteção e Violência contra as Mulheres e Meninas, Jess Phillips, declarou que o governo está introduzindo mudanças nas leis e medidas para abordar "esta forma debilitadora de abuso". Sua mensagem para os perpetradores é clara: "nós os levaremos à Justiça".