As organizações criminosas brasileiras estão em um processo acelerado de expansão territorial, com foco especial nas regiões Norte e Nordeste do país. Segundo especialistas, esse avanço ocorre precisamente em áreas onde o estado falhou em fornecer serviços básicos à população.
Estratégia de Nacionalização das Facções
Pesquisadores que monitoram o crescimento do crime organizado identificaram um movimento claro do Comando Vermelho (CV) e do Terceiro Comando para se nacionalizarem. Este processo representa um degrau fundamental para que esses grupos possam se transformar em verdadeiras máfias internacionais.
Essa ambição explica as violentas disputas territoriais que essas facções travam entre si e também com o Primeiro Comando da Capital (PCC). O principal alvo dessa expansão são os estados do Norte e Nordeste brasileiro, regiões que se tornaram estratégicas para o crime organizado.
Rota das Drogas e Portos Vulneráveis
A escolha dessas regiões não é aleatória. Pelos estados do Norte e Nordeste passa a rota de Solimões, um caminho crucial para o escoamento de drogas produzidas na América Latina com destino à Europa. Os entorpecentes cortam a Amazônia através de rios e pelo ar, saindo do país por portos do Nordeste.
Um problema grave identificado pelos especialistas é que esses portos nordestinos não recebem a mesma atenção das autoridades que os portos do Sul e Sudeste, como o de Santos. Essa vulnerabilidade é explorada sistematicamente pelas organizações criminosas.
Enquanto no Rio de Janeiro as guerras entre facções visam manter territórios já sob controle do crime organizado - o que inclui tráfico de drogas e milícias -, o Nordeste vive uma espécie de fase de "desbravamento", onde novos territórios estão sendo conquistados.
Vácuo do Estado e Domínio Territorial
O ex-secretário nacional de Segurança e coordenador do Núcleo de Urbanismo Social e Segurança Pública do Insper, Ricardo Balestreri, é categórico ao analisar a situação. "O crime se organiza onde o estado abandonou as pessoas", afirma o especialista.
Balestreri complementa: "As organizações criminosas ocupam as favelas e tiranizam os moradores". O domínio territorial exercido pelas facções tem sucesso especialmente em locais onde há defasagem crítica nos serviços públicos.
Entre os fatores que facilitam a atuação desses grupos estão:
- Falta de transporte público de qualidade
- Ausência de patrulhamento ostensivo regular
- Escassez de oportunidades no mercado de trabalho formal
- Operações policiais violentas e pontuais, em vez de presença constante
Um dos pontos mais preocupantes levantados pelo professor é que o domínio exercido sobre as comunidades conta com apoio financeiro de pessoas que não moram dentro delas. Balestreri questiona: "Quem vai à Suíça negociar fuzis da SIG Sauer? Quem compra fuzis R-15? É o morador da comunidade?"
As armas utilizadas por essas facções representam um investimento significativo. Versões mais modestas ou usadas desse tipo de armamento não custam menos de 30.000 reais e são adquiridas em dólar, diretamente com os fabricantes, cujas indústrias não ficam em solo brasileiro.
Enfrentamento Requer Estratégia Dupla
O combate eficaz às facções precisa seguir dois caminhos simultâneos, segundo os especialistas. É necessário estrangular não apenas a atividade financeira - através de investigações que utilizem os métodos de "follow the money" e "follow the product" - mas também o fornecimento de armamentos pesados.
A vida das pessoas em territórios controlados pelo crime organizado é tema de reportagem de capa da revista VEJA da edição número 2969, destacando a urgência de políticas públicas que enfrentem tanto a violência quanto as causas sociais que permitem o crescimento dessas organizações.
O cenário atual exige ações coordenadas que ataquem tanto os sintomas quanto as causas profundas do problema, recuperando territórios e, principalmente, a confiança da população nos serviços do estado.