
O cansaço ainda estava estampado no rosto dele quando desembarcou no Aeroporto Internacional do Galeão, mas o alívio de estar em solo brasileiro era palpável. Doze dias — parece até mais tempo quando você passa por algo assim. O brasileiro que preferiu não se identificar completamente, vamos chamá-lo de Carlos por uma questão de segurança, acabara de viver uma experiência que classifica como "um dos momentos mais sombrios" da sua vida.
E olha que ele já tinha visto coisa ruim por aí, mas nada se comparava ao que enfrentou naquela flotilha com destino a Gaza.
"Agressividade desnecessária desde o primeiro momento"
Carlos respira fundo antes de começar. "Eles simplesmente apareceram do nada, navios de guerra enormes cercando nosso barco modesto. Acho que tinham mais soldados do que nós, civis desarmados." A voz dele treme levemente ao lembrar dos primeiros momentos do abordagem israelense.
O que mais chocou? Talvez a velocidade com que a situação escalou. "Um minuto estávamos em águas internacionais, no outro estávamos sendo tratados como criminosos perigosos. Gritos, armas apontadas, ameaças em hebraico que não entendíamos — foi assustador, pra ser sincero."
Condições que humilham qualquer ser humano
Detenção é uma coisa. O que ele descreve vai muito além. "Nos jogaram em celas superlotadas, sem ventilação decente, comida questionável — quando davam comida, digo-se de passagem."
E os banheiros? "Melhor nem comentar em detalhes, mas digamos que era degradante. Eles claramente queriam nos quebrar moralmente."
O que mais doía não era físico, paradoxalmente. "A humilhação constante, o tratamento como se fôssemos lixo perigoso... isso marca a alma."
O interrogatório que parecia não ter fim
Ah, os interrogatórios. Carlos ri sem graça. "Perguntas repetidas por horas, sempre tentando fazer a gente admitir que éramos terroristas. Como se carregar remédios e comida fosse crime internacional."
Ele conta que os interrogadores israelenses insistiam numa narrativa específica: que todos a bordo eram militantes disfarçados. "Chegou a ser cômico, se não fosse trágico. Olha pra mim — sou um cara comum, com família no Brasil, preocupado com o sofrimento alheio. Que terrorista seria esse?"
O alívio amargo da libertação
Quando soube que seria solto e deportado, Carlos achou que sentiria apenas alegria. "Mas veio uma mistura de alívio com raiva, sabe? Alívio por escapar daquilo, raiva por saber que outros continuavam lá."
Agora no Rio, ele tenta processar tudo. "Voltei, mas parte de mim ficou lá. Nas celas com aqueles que ainda não foram liberados."
E o futuro? "Vou continuar denunciando. Não posso calar depois do que vi. Israel age como se estivesse acima da lei internacional, e o mundo precisa saber."
Uma última reflexão antes de nos despedirmos: "Quando humanidade vira crime, algo está muito errado no mundo. E infelizmente, testemunhei esse erro bem de perto."