Esquema prometia apartamentos e rendimentos mensais de 2%
A Polícia Civil de São Paulo desvendou uma pirâmide financeira que teria causado um prejuízo de aproximadamente R$ 200 milhões a mais de mil investidores. A empresa Neoin, que se apresentava como incorporadora imobiliária, usava a promessa de apartamentos na planta como garantia para atrair vítimas.
O esquema funcionava através de dois modelos principais: a venda de unidades residenciais que nunca foram entregues e um sistema de investimento que prometia rendimentos mensais de 2% sobre o valor aplicado, muito acima das médias do mercado imobiliário.
Sonho da casa própria se transforma em pesadelo
Entre as vítimas está Gilberto Alves de Melo, que investiu R$ 410 mil junto com a esposa após a promessa de rendimento mensal. Letícia Ferrari desembolsou R$ 60 mil na compra de um imóvel que nunca saiu do papel. "O sonho da casa própria. Meu sonho, né? Viver com a minha família, não pagar aluguel", relatou Letícia sobre sua motivação.
Um caso especialmente dramático é o de Maria, que continuou fazendo pagamentos mesmo enquanto enfrentava um câncer de mama. "Quando eu investi aqui em 2019, eu fui diagnosticada com câncer de mama. Tinha que gastar com medicação, com remédio. Até hoje moro no fundo de quintal, porque não tenho condições de pagar um aluguel", contou.
Marketing agressivo e ameaças aos clientes
A Neoin investia pesado em marketing digital, utilizando redes sociais para exibir eventos e palestras com o objetivo de atrair novos clientes. No início de 2023, porém, começaram a surgir as primeiras denúncias na internet e processos judiciais.
O advogado Jorge Calazans estima que cerca de 1.200 pessoas foram vítimas do esquema. "Eu fui procurado por um grupo e notamos que existiam sérios indícios de crime. A partir daí, nós relatamos para a autoridade policial", explicou.
Em áudios obtidos pela reportagem, o empresário Daniel Bernal, um dos investigados, respondia às cobranças dos clientes com ameaças. "Se você ficar nessa de querer me ameaçar, fazer graça, você vai ficar o último da fila, meu querido, igual o Jefferson. O Jefferson vai morrer de fome, meu querido", disse em uma das gravações.
Operação "Prédios de Areia" e recuperação judicial
Em setembro, a polícia realizou a Operação "Prédios de Areia", com buscas e apreensões nos endereços da empresa. "Totalmente desativada, os computadores desligados. No mesmo dia, por volta das 19h, os advogados da Neoin protocolaram pedido de recuperação judicial", relatou o delegado Rodrigo Costa.
O delegado explicou o funcionamento do esquema: "A pirâmide financeira funciona no início. Eles começam a trazer novos investidores. Só que isso, uma hora, a pirâmide corrompe, quando começa a parar de entrar novos investidores".
Além de Daniel Bernal, também são investigados quatro sócios da Neoin pelos crimes de crime contra a economia popular, estelionato, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A polícia já apreendeu os passaportes dos investigados.
Obras paradas e sinais de abandono
A reportagem visitou dois dos empreendimentos da Neoin que chegaram à fase de acabamento, mas nunca foram entregues. As obras estão paradas há pelo menos dois anos, segundo clientes e vizinhos. É possível ver claros sinais de abandono: lascas de tinta no chão e marcas de infiltração nas paredes.
Apesar de nunca terem sido oficialmente entregues, algumas pessoas estão morando nos locais de forma improvisada, em meio às condições precárias das construções inacabadas.
Defesa alega má gestão, não desonestidade
O advogado de Daniel Bernal afirmou que houve má gestão na Neoin, mas negou que o empresário tenha agido com desonestidade. "Eu acho que o Daniel é um mau administrador, mas de forma nenhuma é uma pessoa desonesta", declarou.
A defesa também garantiu que os clientes receberão o dinheiro de volta, mas condicionou o pagamento ao processo de recuperação judicial. "Existe patrimônio hoje para pagar. Essa dívida certamente será paga", afirmaram os advogados.
Na última quarta-feira, a Justiça determinou o bloqueio de bens e a quebra de sigilo bancário de Daniel Bernal e dos outros investigados. O caso continua sob investigação da Polícia Civil de São Paulo, que busca identificar todas as vítimas e apurar a totalidade dos prejuízos causados pelo esquema fraudulento.