
O que acontece quando o chão que a gente pisa, as ruas por onde passamos todos os dias, deixam de ser um bem público? A pergunta, mais filosófica que jurídica, ganhou contornos bem reais — e urgentes — na capital paulista.
Numa manobra que pegou muitos de surpresa, vereadores da cidade deram aval para incluir mais quatro endereços num projeto da prefeitura que já era, digamos, espinhoso. A ideia central? Permitir que vias públicas sejam transferidas para mãos privadas. Sim, você leu certo.
E não se trata de qualquer pedaço de asfalto. A joia da coroa — ou o pomo da discórdia — é a famosa Viela dos Jardins, um cantinho emblemático que agora pode virar área exclusiva de um condomínio de alto padrão. O projeto original já era alvo de críticas ferrenhas, mas com a ampliação, a polêmica só escalou.
O que está em jogo, afinal?
O mecanismo por trás disso é um dispositivo legal chamado “parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”. Na prática, ele permite que a prefeitura transfira a posse de logradouros públicos para proprietários de imóveis que estejam, de alguma forma, usando ou dependendo daquela área.
O argumento oficial é de ordenamento urbano e regularização de situações consolidadas. Mas críticos veem uma privatização disfarçada do espaço coletivo. Um verdadeiro cheque em branco para quem pode pagar por um pedaço da cidade.
- Ampliação Súbita: O projeto inicial, de autoria do Executivo municipal, já previa a cessão de algumas vias. Mas os parlamentares resolveram aumentar a aposta — e incluir mais quatro ruas/vielas na lista.
- Falta de Transparência? A sensação entre alguns urbanistas e moradores é de que as coisas estão andando rápido demais, e sem o debate público que um tema tão sensível mereceria.
- Um Precedente Perigoso: Se vias podem ser “repassadas” assim, o que impede que outros cantos de São Paulo sigam o mesmo caminho? A discussão abre um precedente e tanto para o futuro da cidade.
Não é exagero dizer que estamos falando de uma mudança radical na forma como entendemos a propriedade e o uso do espaço urbano. É uma daquelas questões que parece chata — cheia de jargões jurídicos e processos administrativos — mas que, no fim do dia, define se uma cidade é de todos ou só de alguns.
E os moradores? O que dizem?
A comunidade — principalmente aquela diretamente afetada — está dividida. De um lado, proprietários que veem a chance de regularizar uma situação e ganhar mais segurança e exclusividade. Do outro, moradores e ativistas do direito à cidade que alertam para um enclausuramento do espaço público.
É aquela velha história: quando um muro sobe, alguém se sente protegido, e outro se sente excluído. Só que, desta vez, o muro pode ser legal.
O caso da Viela dos Jardins é emblemático. Um acesso que sempre foi usado pelo público, mas que, por estar em uma região valorizada, desperta interesses imobiliários gigantescos. Agora, seu destino pode ser decidido nos gabinetes da prefeitura e da câmara.
Resta saber se a população vai ficar só olhando. Ou se, como já aconteceu antes em São Paulo, a rua vai falar mais alto — enquanto ainda for de todo mundo.