O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta sexta-feira (5) um retrato detalhado e inédito das condições das vias de circulação dentro das favelas e comunidades urbanas do Brasil. Os dados, coletados durante o Censo 2022, expõem com clareza as profundas desigualdades de infraestrutura que separam esses territórios do restante das cidades, impactando diretamente a vida de milhões de brasileiros.
Acesso limitado e seus impactos nos serviços essenciais
Um dos dados mais alarmantes revela que, em 2022, 19% dos moradores de favelas, o equivalente a 3,1 milhões de pessoas, residiam em vias onde só era possível transitar a pé, de moto ou bicicleta. Fora dessas áreas, essa realidade atinge apenas 1,4% da população. Essa limitação física tem consequências diretas e graves na prestação de serviços públicos essenciais.
Leticia Giannella, gerente de Favelas e Comunidades Urbanas do IBGE, explica o problema: "O impedimento de passagem de caminhões impede uma coleta de lixo direto no domicílio". Ela levanta uma questão crucial: "Como é que faz quando a gente tem pessoas que precisam desse transporte urgente, desse atendimento médico urgente?". A dificuldade de acesso para veículos de grande porte, como ambulâncias e caminhões de coleta, coloca em risco a saúde e o bem-estar dos moradores.
Enquanto 62% dos residentes em favelas moram em ruas com capacidade para ônibus e caminhões, fora delas esse percentual salta para 93%. A presença de pontos de ônibus ou van próximo é mais que duas vezes menor nas comunidades (5%) comparado a outras áreas urbanas (12%).
Infraestrutura urbana: a disparidade em números
Os técnicos do IBGE mapearam diversas características do entorno dos domicílios, criando um panorama completo da infraestrutura. A combinação de fatores como a falta de calçadas adequadas e a presença de obstáculos gera um cenário de acessibilidade precário.
Filipe Borsani, Chefe do Setor de Pesquisas Territoriais do IBGE, alerta: "Quando combinamos esse dado com a presença de obstáculos nas calçadas, surgem problemas graves de acessibilidade, especialmente para idosos e pessoas com mobilidade reduzida. Se o carro não chega e a via já é restrita, esse morador pode ter enorme dificuldade de sair de casa".
Confira alguns dos principais contrastes apontados pelo estudo:
- Calçadas ou passeio: Presentes para 54% dos moradores de favelas, contra 89% fora delas.
- Calçadas sem obstáculos: Apenas 3,8% nas favelas, frente a 22,4% em outras áreas.
- Pavimentação: 78,3% das vias nas favelas são pavimentadas, índice que chega a 91,8% no resto da cidade.
- Arborização: Apenas 35,4% vivem em vias arborizadas nas comunidades, contra 69% fora delas.
- Rampa para cadeirantes: Mais de 95% das vias nas favelas não possuem esse recurso.
- Iluminação pública: Disponível para 91,1% dos moradores de favelas, abaixo dos 98,5% registrados em outros territórios.
- Sinalização para bicicleta: Menos de 1% dos moradores têm esse recurso próximo de casa.
O panorama nacional das favelas em 2022
O Censo 2022 identificou que o Brasil possui 12.348 favelas e comunidades urbanas, espalhadas por 656 municípios, o que representa 11% do total de cidades brasileiras. Esses territórios abrigam uma população de mais de 16 milhões de pessoas, correspondendo a 8% dos habitantes do país.
A divulgação desses dados específicos, segundo o IBGE, é um passo fundamental para ampliar a compreensão das desigualdades socioespaciais e para embasar políticas públicas mais direcionadas e eficazes. Os números vão além da simples contagem populacional, detalhando as condições concretas de vida e os desafios diários enfrentados por uma parcela significativa da população brasileira.
Os resultados reforçam a necessidade de planejamento urbano inclusivo que considere as particularidades desses territórios, garantindo não apenas a presença, mas o efetivo funcionamento de serviços básicos como saúde, coleta de resíduos e mobilidade para todos os cidadãos.