Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) fizeram uma descoberta que evidencia a marca profunda da atividade humana no planeta. Eles identificaram a presença do elemento radioativo Césio-137 em amostras de água e sedimentos coletadas no Rio Ribeira de Iguape, localizado no Vale do Ribeira, em São Paulo. Os especialistas descrevem o achado como uma verdadeira "pegada nuclear" deixada pela civilização no meio ambiente.
A descoberta da 'assinatura' radioativa
O trabalho foi conduzido por um grupo de pesquisa que, há cerca de 20 anos, estuda os impactos das atividades humanas em ecossistemas fluviais. Breno Schmidtke Rodrigues, um dos pesquisadores envolvidos, explicou ao g1 que a investigação partiu de achados anteriores de Césio-137 na costa brasileira. A partir disso, a equipe decidiu verificar se essas partículas artificiais também estariam presentes em áreas continentais, especialmente em rios considerados bem preservados.
Para o estudo, foi escolhido um trecho do Rio Ribeira de Iguape na altura do município de Sete Barras (SP). "Talvez seja um dos poucos rios no Brasil, e até no mundo, que não tem, dentro da sua bacia, um impacto humano tão grande", afirmou Rodrigues. As amostras foram coletadas em quatro pontos distintos:
- Canal principal do rio
- Áreas alagáveis (várzeas)
- Bacia de decantação
- Meandro abandonado (uma antiga curva do rio)
A surpresa veio justamente do canal principal. "A nossa surpresa foi no canal. A gente achou que não ia encontrar nada, mas a gente encontrou uma quantidade detectável, ainda baixa, como todas as outras, mas foi uma resposta um pouco maior do que a gente esperava", contou o pesquisador. A detecção no canal indica que as águas do Ribeira de Iguape realizam um transporte contínuo do elemento radioativo.
A origem nuclear e a datação precisa
O Césio-137 é um isótopo radioativo produzido artificialmente, que não existe naturalmente em quantidades significativas. Ele emite raios gama, um tipo de radiação altamente penetrante e perigosa para a saúde humana, mas as concentrações encontradas no estudo são muito baixas e não representam risco à população ou ao ecossistema.
A análise dos sedimentos permitiu aos cientistas datar a origem do material. "Os ambientes registraram um pico de acumulação de Césio que é, pela datação que a gente faz com o nuclídeo, compatível com os anos de 1973 e 1974", detalhou Breno Rodrigues. Este período corresponde ao auge dos testes nucleares atmosféricos realizados por potências mundiais, que espalharam fragmentos radioativos por todo o globo através da chamada "precipitação global" (fallout). Os resíduos encontrados no Ribeira são, portanto, vestígios dessas atividades realizadas há quase 50 anos.
Um forte indício do Antropoceno
A descoberta serve como um poderoso reforço à teoria do Antropoceno, um termo proposto no início dos anos 2000 pelo cientista neerlandês Paul Crutzen. A teoria sugere que a humanidade entrou em uma nova época geológica, marcada pelo domínio da influência humana sobre os processos naturais do planeta, substituindo o Holoceno.
Nesse contexto, marcadores ambientais como plásticos, metais pesados ou, no caso deste estudo, radionuclídeos artificiais como o Césio-137, funcionam como "assinaturas" ou provas inequívocas dessa era influenciada pelo homem. "Os nossos rios estão absorvendo as partículas antrópicas todas. E eles conseguem, inclusive, registrar aquilo que não foi nem produzido na sua bacia hidrográfica. No caso do Césio, encontramos ele numa bacia bem preservada", explicou Rodrigues.
O pesquisador ressalta a dimensão da transformação: "É justamente essa parte da Terra em que nós, seres humanos e sociedade, conseguimos influenciar ou até mesmo superar a natureza em relação às mudanças do planeta". Apesar de o Antropoceno ainda não ser reconhecido oficialmente como uma nova era geológica por comitês científicos, estudos como este acumulam evidências concretas de que a ação humana já deixou um registro permanente e global nas camadas do planeta.