Uma importante expedição de restauração socioecológica chegou ao fim nesta segunda-feira (24) na Terra Indígena Kadiwéu, localizada em Mato Grosso do Sul. O projeto resultou no plantio de 425 mudas de pau-santo (Bulnesia sarmientoi), uma espécie classificada como ameaçada de extinção e que possui profundo significado cultural para a comunidade indígena.
Projeto Elegigo: ciência e tradição unidas
A iniciativa integra o projeto Elegigo — que significa "pau-santo" na língua Kadiwéu — desenvolvido pelo Laboratório Ecologia da Intervenção do Instituto de Biociências (Inbio). O trabalho foca na conservação, restauração ecológica e desenvolvimento de cadeias produtivas de plantas nativas que são importantes para os povos indígenas do Pantanal.
As mudas representam o resultado de quatro anos de pesquisas científicas e foram plantadas em áreas prioritárias para recuperação pós-incêndio, definidas em conjunto com a comunidade. Parte significativa do plantio foi realizado próximo às residências, especialmente das mulheres ceramistas, para facilitar o uso da espécie na produção artesanal e, assim, fortalecer tanto a preservação cultural quanto a conservação da espécie.
Importância múltipla do pau-santo
Segundo a professora Letícia Couto, coordenadora do projeto e pesquisadora do Inbio, a iniciativa se destaca em quatro dimensões principais:
Social: envolve diretamente a comunidade indígena em todas as etapas do processo.
Ambiental: atua na conservação de uma espécie rara e ameaçada de extinção.
Cultural: a resina do pau-santo é matéria-prima fundamental para a cerâmica tradicional Kadiwéu, gerando renda para as artesãs.
Científica: a produção das mudas é inédita no país e o plantio segue critérios técnicos rigorosos.
O pau-santo se tornou prioritário no projeto devido à sua relevância cultural. A resina obtida do cozimento da madeira é utilizada para produzir a cor preta que caracteriza os grafismos das peças de cerâmica elaboradas pelas mulheres Kadiwéu.
Espécie rara e ameaçada
A pesquisadora Letícia Couto explica que o pau-santo é uma espécie particularmente rara. "É um patrimônio do Pantanal, do Chaco e de Mato Grosso do Sul", destaca a coordenadora. No Brasil, a espécie ocorre exclusivamente no Pantanal Chaquenho e em território sul-mato-grossense.
Os registros da espécie no país são escassos e restritos a Mato Grosso do Sul. Durante o projeto, foram alcançados marcos científicos importantes: a primeira coleta de frutos maduros no país ocorreu em setembro de 2022, e o primeiro registro de flor foi documentado em novembro de 2023 pelo brigadista Laercio Fernandes Ramos.
O pau-santo enfrenta múltiplas ameaças. Com crescimento lento e baixa produção de sementes, sofre intensa exploração por sua madeira densa e valiosa. Esta pressão levou a espécie a ser classificada como globalmente ameaçada de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza.
Além disso, a espécie está listada na Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, que regula rigorosamente seu comércio internacional.
"Nossos estudos mostram que os cenários de mudanças climáticas são avassaladores para esta espécie", alerta Letícia Couto. "Por isso é crucial evitar que ela permaneça nestas listas de ameaça. Conservar e restaurar espécies ameaçadas impacta todo o habitat — focar em uma espécie reflete na conservação de muitas outras."
A expedição contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), membros da comunidade Kadiwéu e brigadistas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (PrevFogo/Ibama). O mapeamento das áreas de plantio recebeu apoio do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ e de laboratórios da UFMS.