O advogado britânico Thomas Goodhead, responsável pela estratégia jurídica que levou à condenação da mineradora BHP pelo desastre de Mariana, classificou como "monumental" a decisão do Tribunal Superior de Londres que responsabilizou a empresa anglo-australiana pelo rompimento da barragem em 2015.
Vitória histórica para vítimas
Em entrevista exclusiva, Goodhead explicou que a sentença de 14 de novembro de 2025 representa um marco legal significativo. Pela primeira vez, uma empresa de mineração foi considerada responsável com base no "princípio do poluidor indireto", utilizando a legislação ambiental brasileira em um tribunal britânico para responsabilizar uma companhia australiana.
O tribunal londrino concluiu que a BHP tinha conhecimento dos riscos que levaram ao colapso da barragem e condições de evitá-los. A empresa foi considerada "imprudente" pelo desastre que matou 19 pessoas e causou o pior desastre ambiental do Brasil.
Próximos passos e indenizações
O processo agora avança para a fase de quantificação dos danos, com um julgamento marcado para outubro de 2026 que definirá os valores das indenizações. As compensações podem alcançar centenas de bilhões de dólares, dependendo das reivindicações apresentadas por municípios, igrejas, empresas e pessoas afetadas.
Goodhead destacou que a decisão beneficia mais de 400.000 vítimas, pois o tribunal britânico determinou que o prazo prescricional para suas reivindicações sequer havia começado. Isso permite que milhares de pessoas que não aceitaram o acordo de reparação firmado no Brasil em outubro passado busquem valores mais altos na Justiça inglesa.
Impacto na interpretação da decisão do STF
O advogado britânico contestou interpretações que sugeriam que uma decisão do ministro Flávio Dino do STF, emitida em agosto, poderia enfraquecer os efeitos da condenação no exterior. Goodhead esclareceu que as duas decisões tratam de questões distintas.
"A decisão em Londres determinou que os municípios brasileiros podem apresentar suas reivindicações nos tribunais da Inglaterra. A decisão de Flávio Dino no Brasil não se referia à possibilidade de apresentar as reclamações fora do Brasil, mas sim à possibilidade dos municípios pagarem taxas a um escritório estrangeiro no Brasil", explicou.
Goodhead enfatizou que as empresas estão tentando usar a decisão do STF de forma inadequada, mas não acredita que isso terá impacto real nas ações judiciais em andamento na Inglaterra.
Legislação brasileira como aliada
Um dos fatores cruciais para o sucesso do caso, segundo o advogado, foi o rigor da legislação ambiental brasileira. O tribunal londrino analisou profundamente decisões do STJ e STF, além de estudos de juristas brasileiros, concluindo que a lei ambiental do Brasil oferece proteção robusta às vítimas.
"O Brasil tem uma das legislações ambientais mais progressistas do mundo. E o princípio do 'poluidor paga' é muito forte", afirmou Goodhead, destacando que neste caso a responsabilidade recai sobre BHP, Vale e Samarco conjuntamente.
Desdobramentos internacionais
A decisão abre precedente importante para outros casos ambientais envolvendo empresas estrangeiras que operam no Brasil. Goodhead mencionou que o caso de Brumadinho começará a ser julgado na Alemanha no próximo ano, envolvendo a empresa alemã que certificou a segurança da barragem.
Outros casos, como o da Braskem relacionado aos buracos em Maceió, estão em andamento na Holanda. A decisão favorável em Londres deve influenciar positivamente esses processos, já que pela primeira vez a legislação ambiental brasileira foi analisada com esse nível de detalhe por um tribunal europeu.
Questionado sobre sua recente saída do escritório que levava seu nome, Goodhead admitiu que a decisão estava relacionada a pressões sobre o caso Mariana. No entanto, ele acredita que a vitória judicial unirá todos os envolvidos - vítimas, escritórios de advocacia e outros profissionais - no objetivo comum de responsabilizar as mineradoras por seus crimes ambientais.