O Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendações urgentes ao governo brasileiro para conter o avanço do garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. As medidas foram divulgadas nesta segunda-feira, 1º, e incluem a elaboração de um plano de cooperação bilateral com a Guiana e ações imediatas para remediar áreas contaminadas por "piscinas de cianeto", substância altamente tóxica usada na extração de ouro.
Cooperação transfronteiriça é pedida para combater garimpo
Em uma das frentes de atuação, o MPF recomendou formalmente que os ministérios das Relações Exteriores, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Justiça e Segurança Pública e dos Povos Indígenas iniciem tratativas para um acordo de cooperação bilateral com a Guiana. O objetivo é estabelecer um combate coordenado ao garimpo transfronteiriço, que tem se intensificado na região de fronteira.
As investigações do MPF, que resultaram nas recomendações, apontam um crescimento acelerado da atividade garimpeira dentro da terra indígena, especialmente nas áreas serranas. Desde março, o órgão cobrava fiscalização e repressão, o que levou à realização de três operações pela Polícia Federal: Fox Uno (junho), Fox Duo (outubro) e Fox Três (novembro).
As operações evidenciaram que garimpos ativos do lado guianense, próximos à fronteira, impactam diretamente o território brasileiro. "Muitos garimpeiros são brasileiros que atuam do lado guianense e retornam ao território nacional trazendo ouro extraído ilegalmente", destacou o Ministério Público. A situação é considerada crítica no Rio Maú, ao norte da terra indígena, onde a Constituição Federal proíbe qualquer atividade de mineração.
Riscos ambientais e "piscinas de cianeto" exigem ação imediata
A segunda frente de recomendação do MPF trata do grave risco ambiental e à saúde humana representado pelo uso de cianeto. A substância, utilizada para separar o ouro de outros minerais, foi encontrada em poças ou "piscinas" a céu aberto durante as operações de fiscalização.
O MPF enviou uma recomendação específica ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao Ministério dos Povos Indígenas, à Funai e ao Ibama para a adoção de medidas urgentes de remediação nas áreas contaminadas. O relatório da PF apontou que as equipes de segurança sequer puderam realizar o descarte do material devido à alta periculosidade, à falta de equipamentos de proteção adequados e à ausência de profissionais especializados.
As recomendações determinam que os órgãos adotem, com caráter de urgência:
- Diagnóstico da contaminação, com coleta imediata de amostras de solo, água e sedimentos.
- Elaboração de um plano de remediação em até 30 dias, com técnicas e cronograma definidos.
- Neutralização, inutilização e descarte ambientalmente adequado do cianeto encontrado.
- Definição clara de responsabilidades entre os órgãos em até 15 dias.
Modelo de acordo e prazos para resposta
O MPF sugere que o acordo com a Guiana siga o modelo do pacto técnico de cooperação firmado entre Brasil e França em janeiro de 2025, voltado ao combate do garimpo na fronteira com a Guiana Francesa. O acordo idealizado deve prever um regime específico para o Rio Maú, operações coordenadas e intercâmbio de inteligência.
O órgão citou como exemplo positivo a operação Fox Três, em que uma cooperação informal com a Força de Defesa da Guiana resultou na inutilização de 12 acampamentos e 9 dragas do lado guianense do rio, demonstrando a capacidade operacional e o interesse do país vizinho em colaborar.
Os órgãos destinatários das recomendações têm um prazo de 30 dias para informar se acatarão as medidas, relatar ações já adotadas e definir responsabilidades. No caso da cooperação com a Guiana, devem detalhar as tratativas diplomáticas iniciadas ou previstas.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol, homologada em 15 de abril de 2009, abriga comunidades dos povos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. A Constituição Federal e convenções internacionais, como a da OIT, protegem esses territórios, proibindo a mineração e o armazenamento de materiais perigosos sem consentimento livre, prévio e informado dos povos originários.