IBGE revela: quase 1/3 dos cariocas moram em favelas, com graves déficits de infraestrutura
Quase um terço do Rio vive em favelas, aponta IBGE

Um levantamento recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trouxe um retrato impactante da realidade urbana do Rio de Janeiro. Quase um terço da população da cidade, o equivalente a aproximadamente 2 milhões de pessoas, vive em favelas. Os números, divulgados na sexta-feira, 5 de julho, evidenciam a carência crônica de infraestrutura básica em territórios historicamente negligenciados.

Rocinha: o desafio diário da locomoção

Na Rocinha, considerada a maior favela do Brasil, os dados são particularmente reveladores. Apenas 3,2% das vias permitem a passagem de carros ou vans, enquanto a esmagadora maioria, 81,9%, só é acessível para motos, bicicletas ou pedestres. Essa realidade transforma simples deslocamentos em verdadeiras provações, especialmente para idosos ou pessoas com mobilidade reduzida.

A infraestrutura urbana básica também está muito aquém do necessário. Apenas 12,1% dos endereços na Rocinha possuem calçadas, e pouco mais da metade (54,3%) conta com iluminação pública. Moradores como Ruan Julliete descrevem uma rotina marcada por trajetos longos, ladeiras íngremes e escadas intermináveis.

O abastecimento de água é outro problema. Edvado Braga, porteiro e residente da comunidade, relata que os reparos em vazamentos muitas vezes dependem da iniciativa dos próprios vizinhos. “Quando tem cano quebrado, somos nós que consertamos. Até chegar alguém aqui, já foi embora muita água”, conta. Diante do crescimento desordenado, a população criou suas próprias soluções, construindo coletivamente escadas e passagens para conectar as vielas de barro.

Providência: entre o teleférico e a improvisação

No Morro da Providência, no Centro do Rio, o teleférico se tornou um símbolo de mobilidade, facilitando a vida de quem mora nas partes altas. No entanto, especialistas alertam para a necessidade de políticas permanentes. “É fundamental ter profissionais qualificados acompanhando os moradores. Projetos dentro da favela precisam ter continuidade, não só durar 4 anos”, afirma o arquiteto e urbanista Fernando Pereira.

Apesar do teleférico, a falta de vias acessíveis nas áreas mais baixas gera situações críticas. Em emergências, os moradores são obrigados a improvisar macas para transportar vizinhos, já que ambulâncias não conseguem chegar a certos pontos da comunidade. Para Alan Brum, especialista em planejamento urbano do IPPUR/UFRJ, essa solução criada pela população demonstra uma urgência: “A favela encontra soluções a partir da sua precariedade. Mas isso precisa ser ouvido, amadurecido e qualificado”.

Acessibilidade: uma barreira quase intransponível

Para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, os obstáculos são ainda maiores. Flávio Ribeiro, mestre de capoeira e morador, ilustra a dificuldade: “O morador que mora lá em cima da escadaria, que é cadeirante, sofre muito. Se ele precisa ir ao médico duas vezes na semana, depende da ajuda de outras pessoas para descer e subir”.

Especialistas defendem a criação de rotas acessíveis e o mapeamento de moradores com deficiência dentro das favelas, reconhecendo que a abertura de novas vias, por si só, não resolverá o problema para toda a população.

Os dados do IBGE reforçam a necessidade urgente de políticas públicas contínuas e com participação direta das comunidades. A garantia de mobilidade, segurança, urbanização e dignidade passa por um olhar integral sobre esses territórios. Como questiona o arquiteto Fernando Pereira: “O Rio tem cerca de 1.700 favelas. O Rio é uma grande favela com alguns pontos urbanizados. Por que não pensar nesses territórios como bairros?”. A pergunta ecoa como um desafio central para o futuro da cidade.