
Eis aí uma ironia da natureza que pouca gente esperava: o dourado, aquele peixe dourado e imponente que todo pescador esportivo sonha em fisgar, está causando um rebuliço ecológico das grandes no Parque Nacional do Iguaçu. Sim, o mesmo animal que é tratado quase como um tesouro nacional em outras bacias hidrográficas foi promovido a vilão naquela região.
A situação é, no mínimo, curiosa. Enquanto em outros cantos do país programas de repovoamento tentam salvar o dourado da extinção, no Iguaçu a história é completamente diferente. Lá, a espécie é considerada invasora — um verdadeiro forasteiro indesejado — e representa uma ameaça real para peixes que só existem naquele pedaço específico de água doce.
Um Desequilíbrio Anunciado
Tudo começou, pasmem, com uma introdução proposital na década de 80. Na ânsia de turbinar a pesca esportiva na região, soltaram dourados no rio. O que parecia uma boa ideia na época se revelou um tremendo desastre ecológico. O dourado, sendo um predador de topo — do tipo que não tem dó na hora da refeição —, começou a devorar tudo que via pela frente, incluindo espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta.
Pesquisadores que estudam o assunto estão genuinamente preocupados. "É uma ameaça silenciosa", comenta um biólogo que prefere não se identificar. "Você tem um animal magnífico, símbolo da nossa fauna, colocando em risco a existência de outros animais igualmente importantes, mas menos carismáticos."
As Vítimas do Banquete
Entre os que estão na mira do dourado, dois peixes endêmicos — ou seja, que só vivem ali — estão na linha de frente do perigo:
- O cascudo-preto (Rhinelepis aspera): um limpador de rio, especialista em manter as águas livres de matéria orgânica em decomposição
- A piracanjuba (Brycon orbignyanus): já criticamente ameaçada de extinção em outras regiões, encontra no Iguaçu um de seus últimos refúgios
O problema é que essas espécies locais evoluíram num ambiente sem predadores ferozes como o dourado. São como cordeiros num cercado que de repente recebe um lobo faminto — simplesmente não sabem como reagir.
Um Dilema Ético e Ecológico
Aqui surge um daqueles dilemas que deixam conservacionistas de cabelo em pé: como lidar com uma espécie ameaçada em outros lugares, mas que aqui se tornou uma praga? Matar dourados soa como heresia para muitos. Remover e realocar cada indivíduo seria caríssimo e logisticamente inviável.
Enquanto isso, o tempo corre contra as espécies nativas. A cada dia, o dourado — um verdadeiro atleta aquático — expande seu território, explorando novos trechos do rio em busca de alimento fácil.
O paradoxo é dolorosamente claro: proteger um símbolo nacional significa, nesse caso específico, sacrificar espécies únicas que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Uma escolha de Sofia subaquática que ninguém gostaria de ter que fazer.