Na madrugada desta sexta-feira, 21 de novembro de 2025, a coordenação brasileira da COP30 divulgou o rascunho do documento final da conferência climática que acontece em Belém, e o texto surpreendeu pela ausência completa de qualquer menção à redução do uso de combustíveis fósseis.
O esboço, com sete páginas, foi compartilhado com as delegações presentes no último dia da cúpula. A exclusão do tema considerado crucial por cientistas e ambientalistas ocorreu devido à forte oposição de países com economias dependentes do petróleo, carvão e gás.
Pressão de países petrolíferos bloqueia acordo
Segundo informações da equipe de negociação, nações como a Arábia Saudita lideraram o bloqueio à inclusão de metas concretas para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. China e Índia, apesar de serem grandes emissores, também se opuseram à menção direta do tema no documento.
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, confirmou que a resistência se manteve intensa até o final das discussões. Todos esses países fazem parte do grupo LMDC, que reúne nações em desenvolvimento com posições convergentes sobre o tema.
O resultado representa um contraste significativo com a COP28 em Dubai, onde o texto final mencionou pela primeira vez a necessidade de "transitar para longe dos combustíveis fósseis". Três anos depois, as negociações em Belém ainda debatiam qual formulação adotar, mas nenhuma das expressões acabou incluída na minuta.
Mecanismo voluntário substitui metas obrigatórias
O documento, chamado de "Mutirão Global", convoca esforços mais rápidos para a ação climática e apresenta um mecanismo voluntário denominado "Acelerador Global de Implementação". Contudo, o texto não estabelece nenhum plano orientador, calendário ou meta específica para a eliminação progressiva das fontes fósseis.
Esta abordagem gerou imediato descontentamento entre governos que veem a descarbonização das matrizes energéticas como passo indispensável para cumprir os limites climáticos definidos pelo Acordo de Paris.
Na noite anterior à divulgação do rascunho, pelo menos 30 países, incluindo França e Alemanha, já haviam comunicado que não endossariam a proposta caso mantivesse essa lacuna.
Críticas de cientistas e organizações
O climatologista Carlos Nobre não poupou críticas à exclusão dos combustíveis fósseis do documento final. "Sem cortes significativos no uso de fósseis, ultrapassaremos a marca dos 2°C muito brevemente", afirmou o cientista.
Organizações da sociedade civil também expressaram sua decepção. Mark Watts, diretor-executivo do C40 Cities, declarou que "algumas partes estão tentando reduzir o mutirão global a cinzas" e criticou a falta de ambição do texto em relação aos combustíveis fósseis, transição justa e diálogo multiníveis.
Avanços no financiamento para adaptação climática
Um dos pontos positivos do rascunho é a proposta de triplicar até 2030 os recursos destinados à adaptação climática, tomando como referência os valores previstos para 2025.
O compromisso firmado na COP26 previa US$ 40 bilhões anuais até este ano, e a nova proposta elevaria o total para cerca de US$ 120 bilhões. No entanto, nações em desenvolvimento, sobretudo africanas, insistem que a adaptação precisa de investimentos mais robustos para enfrentar impactos como:
- Desastres extremos
- Insegurança alimentar
- Vulnerabilidade de infraestrutura
O tema tem sido outro ponto de tensão nas discussões, mesmo integrando formalmente o mandato da COP desde o Acordo de Paris.
Contradição com agenda do governo brasileiro
A exclusão do tema dos combustíveis fósseis do documento final representa uma contradição com os sucessivos apelos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia feito do tema uma prioridade de seu governo.
O presidente brasileiro havia defendido a necessidade de ações concretas tanto na Cúpula de Líderes quanto em discursos recentes em Belém, mas a resistência de países petrolíferos mostrou-se maior que a influência diplomática brasileira.
O texto ainda inclui discussões sobre o mecanismo de ajuste de carbono por fronteira da União Europeia, criticado por vários países em desenvolvimento, e prevê três rodadas de debate com organismos como a Organização Mundial do Comércio para buscar um encaminhamento.
A versão apresentada nas primeiras horas desta sexta-feira ainda deverá passar por revisões ao longo do dia, mas as expectativas de mudanças significativas na questão dos combustíveis fósseis são mínimas, segundo analistas presentes no evento.