Um projeto científico audacioso pretende unir o conhecimento ancestral da Amazônia com a fronteira final da ciência: o espaço sideral. O médico e neurocientista brasileiro Alysson Renato Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), planeja enviar extratos de plantas do bioma amazônico para fora da Terra. O objetivo é testar seus compostos em organoides cerebrais, os chamados "minicérebros", e avaliar seu potencial no tratamento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson, demência e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
Como os "minicérebros" e a microgravidade aceleram a pesquisa
No centro da pesquisa estão os organoides cerebrais, estruturas tridimensionais desenvolvidas em laboratório a partir de células-tronco que mimetizam a função e a aparência de um cérebro real. Eles são ferramentas preciosas para testes científicos. A inovação está no local escolhido para os experimentos: a microgravidade do ambiente espacial.
"No espaço, células e tecidos envelhecem mais rápido", explica Muotri. Esse fenômeno, que permite aos astronautas flutuar, acelera também o processo de envelhecimento celular. Para a pesquisa, isso é uma vantagem estratégica, pois possibilita que as doenças neurodegenerativas progridam em um curto espaço de tempo, permitindo que os cientistas testem, de maneira mais rápida, os efeitos neuroprotetores dos compostos das plantas.
A sabedoria indígena guiando a ciência de ponta
O projeto não seria possível sem a aliança com os povos originários da Amazônia. Os Huni Kuin, que habitam regiões entre o Acre e o Peru, foram fundamentais na seleção das primeiras plantas a serem estudadas. "Eles nos ajudam a identificar plantas com potenciais efeitos neuroativos e explicam como são usadas na prática: qual parte empregar, como preparar, onde colher", destaca o neurocientista.
Essa ponte entre o conhecimento tradicional e a ciência moderna é respaldada por dados globais. Um estudo na revista Toxicon indica que cerca de 25% dos medicamentos prescritos no mundo têm origem vegetal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) complementa que 11% dos fármacos considerados essenciais são derivados exclusivamente de plantas. "Acredito que, por muito tempo, a ciência moderna se distanciou do conhecimento ancestral. Estamos tentando unir esses dois saberes", afirma Muotri.
Chacrona e Jagube: as primeiras plantas da missão espacial
Entre as espécies já confirmadas para os experimentos estão a Chacrona (Psychotria viridis) e o Jagube (Banisteriopsis caapi). Juntas, elas compõem a bebida sagrada Nixi honi xuma, conhecida no mundo ocidental como ayahuasca, utilizada há séculos em rituais de cura e conexão espiritual por diversos povos indígenas.
O neurocientista adianta que outras plantas também farão parte dos testes, mas prefere manter a lista em sigilo para não comprometer o andamento da pesquisa. Algumas são catalogadas, outras são totalmente inexploradas. Considerando que a Amazônia abriga mais de 40 mil espécies de plantas, segundo o ICMBio, o potencial de descoberta de novos compostos bioativos é imenso.
Apesar do plano visionário, a missão espacial ainda aguarda uma data definida para o lançamento, enfrentando os desafios de um cenário de redução de gastos com ciência nos Estados Unidos. Mesmo assim, a proposta mantém seu foco: usar a aceleração do tempo no espaço para, na Terra, encontrar respostas mais rápidas para algumas das doenças mais complexas que afetam a humanidade.