Tesouro Nacional em Risco: Pascalina de Blaise Pascal Quase Sai da França
Pascalina, berço da informática, quase vendida em leilão

Um verdadeiro tesouro da história da ciência e da tecnologia esteve prestes a deixar a França. A venda de uma raríssima pascalina, a máquina de cálculo inventada pelo gênio do século 17 Blaise Pascal, gerou uma onda de protestos entre intelectuais e uma intervenção judicial de última hora para impedir que o artefato histórico fosse parar em mãos privadas no exterior.

O Protesto dos Acadêmicos e a Intervenção da Justiça

Com palavras duras, membros do prestigiado Institut de France manifestaram horror diante da iminente venda do instrumento. Em artigo publicado no jornal Le Monde em 1º de novembro, eles classificaram a situação como um "erro espantoso" e uma "triste falta de interesse pelo patrimônio científico".

Os acadêmicos destacaram que a pascalina, capaz de somar, subtrair, multiplicar e dividir, é a origem da informática moderna e uma joia do patrimônio intelectual francês. O exemplar em questão, que mede 36 × 12,5 × 6,5 cm e estava avaliado entre US$ 2 milhões e US$ 3,5 milhões, fazia parte da coleção do francês Léon Parcé, leiloada pela casa Christie's.

O leilão ocorreu em 19 de novembro e vendeu obras primas como a primeira edição dos "Principia Mathematica" de Isaac Newton (1687) e a última grande obra de Galileu (1638). No entanto, a estrela da coleção, a pascalina, foi retirada. Horas antes, o tribunal administrativo de Paris atendeu a um recurso de emergência e bloqueou temporariamente a licença de exportação concedida pelo Ministério da Cultura em maio.

O juiz entendeu que existiam "sérias dúvidas" sobre a legalidade do certificado e que a máquina "provavelmente seria classificada como 'tesouro nacional'". Essa classificação impediria sua saída do território francês. A decisão, porém, é provisória, aguardando um julgamento definitivo.

Blaise Pascal: O Gênio por Trás da Máquina

Para entender a importância da pascalina, é preciso voltar ao seu criador, Blaise Pascal (1623-1662). Um dos maiores polímatas da história, Pascal deixou contribuições fundamentais em matemática, física e filosofia. Seu nome está em conceitos como a unidade de pressão "Pascal" e no "Triângulo de Pascal".

Aos 19 anos, para ajudar o pai, que era coletor de impostos na Normandia, Pascal inventou sua "máquina aritmética". O grande desafio foi criar um mecanismo para "levar" os números de uma coluna para outra (como no 9+1=10, "vai um"). Ele encontrou a solução mecânica e, em 1645, apresentou a invenção ao mundo.

Em um folheto de divulgação, Pascal garantia que a máquina "liberava o usuário" do incômodo de lembrar números e que o risco de erro era nulo. Em 1649, obteve um privilégio real do rei Luís XIV, tornando a pascalina a primeira máquina a receber algo equivalente a uma patente.

Um Legado que Moldou o Futuro

Apesar da produção artesanal e cara, que impediu sua distribuição em massa, a invenção deslumbrou os intelectuais da época. Ela se tornou o protótipo para gerações de calculadoras e é a primeira máquina mencionada na famosa Enciclopédia de Diderot e d'Alembert.

O legado é tão profundo que, em 1970, o cientista da computação Niklaus Wirth batizou uma nova linguagem de programação de Pascal, em homenagem àquele feito pioneiro. A máquina em disputa na Christie's é ainda mais especial: é a única das nove originais conhecidas projetada para topografia, usando unidades de medida antigas como braças e pés.

Os acadêmicos argumentam que é crucial que este objeto, até agora conhecido apenas por especialistas, integre uma coleção pública na França. Lá, poderia ser estudado pela comunidade científica internacional, garantindo que o país onde foi criado preserve um exemplar completo deste instrumento revolucionário. Por enquanto, a pascalina permanece em solo francês, seu destino final ainda pendente na Justiça.