Fóssil de 3,4 milhões de anos revela duas espécies humanas na Etiópia
Fóssil revela duas espécies humanas na Etiópia

Descoberta revolucionária na Etiópia

Uma pesquisa inovadora da Universidade Estadual do Arizona revelou que duas espécies humanas antigas viveram juntas na mesma região da Etiópia há aproximadamente 3,4 milhões de anos. O estudo, publicado na prestigiada revista Nature, desvendou um mistério que intrigava cientistas desde 2009 e está reescrevendo capítulos fundamentais da evolução humana.

O pé que desafiava a história

Em 2009, pesquisadores encontraram na região de Woranso-Mille, Etiópia, um pé fossilizado fragmentado em 29 pedaços. O que tornava este fóssil especial era sua anatomia peculiar: enquanto Lucy, a famosa Australopithecus afarensis descoberta em 1974, tinha pés completamente adaptados ao bipedalismo terrestre, este pé apresentava um dedão opositor, semelhante ao polegar das mãos humanas, ideal para agarrar galhos e escalar árvores.

O problema era que, sem uma mandíbula ou dentes associados ao pé, os cientistas não podiam determinar com certeza a qual espécie pertencia. A prudência sempre foi uma regra fundamental na paleoantropologia.

A solução do quebra-cabeça evolutivo

Durante a última década, novas escavações na mesma região trouxeram as peças que faltavam: dentes e uma mandíbula de um indivíduo jovem que eram anatomicamente compatíveis com o pé misterioso. Esta descoberta permitiu aos pesquisadores confirmar finalmente que o dono do fóssil era da espécie Australopithecus deyiremeda, diferente da linhagem de Lucy.

Yohannes Haile-Selassie, coordenador da pesquisa na Universidade Estadual do Arizona, explicou a importância deste achado: "Esta é a primeira evidência clara de que duas espécies de hominídeos relacionadas viveram simultaneamente na mesma paisagem etíope".

Coexistência e diferenças fundamentais

A análise detalhada do pé do A. deyiremeda revelou características únicas de locomoção. Esta espécie apresentava:

  • Dedão capaz de agarrar galhos, útil para forragear em árvores
  • Andar bípede com impulso vindo do segundo dedo, não do dedão
  • Adaptações mistas para vida arbórea e terrestre

Enquanto isso, Lucy tinha pés totalmente adaptados ao bipedalismo terrestre, com dedão alinhado aos outros dedos, similar aos humanos modernos. Esta diferença mostra que o bipedalismo não surgiu de forma única, mas através de "experimentos evolutivos" que aconteceram simultaneamente.

Dietas distintas permitiram coexistência

A pesquisa também analisou isótopos de carbono em oito dos 25 dentes atribuídos ao A. deyiremeda. Esta técnica permitiu identificar os tipos de plantas consumidas por cada espécie:

Lucy tinha uma dieta variada que incluía gramas e vegetação de áreas abertas, enquanto o A. deyiremeda consumia principalmente plantas típicas de áreas arborizadas. Esta diferença alimentar explica como as duas espécies conseguiram coexistir sem competir diretamente pelos mesmos recursos.

Implicações para entender nossa evolução

Entre os novos fósseis descobertos está também a mandíbula de um indivíduo jovem, com dentes de leite e permanentes em formação. A tomografia revelou padrões de crescimento semelhantes aos de outros australopitecos, mostrando que, apesar das diferenças de locomoção e dieta, o desenvolvimento infantil dessas espécies seguia um padrão parecido.

Os pesquisadores destacam que compreender o comportamento, a dieta e o ambiente desses ancestrais ajuda a entender como mudanças climáticas antigas moldaram a evolução humana. Haile-Selassie enfatiza: "Se não entendermos o nosso passado, não conseguimos compreender plenamente o presente".

Esta descoberta reforça que o caminho evolutivo até o Homo sapiens sapiens foi muito menos linear do que se imaginava, apresentando uma complexidade e diversidade que continuam a surpreender os cientistas.