Uma mobilização formada por comunidades quilombolas, indígenas, agricultores e ribeirinhos dos municípios de Acará e Bujaru interditaram a Alça Viária, no nordeste do Pará, na manhã desta sexta-feira (21). O protesto marca mais um capítulo da resistência contra a instalação de um aterro sanitário destinado a receber resíduos sólidos da Região Metropolitana de Belém.
Defesa do território e da saúde
Entre as lideranças presentes estava Tatiane de Souza Nogueira, de 44 anos, presidente da Associação da Comunidade Quilombola Tapuama. Em entrevista, ela afirmou que a mobilização é uma defesa do território e das condições de saúde das populações locais.
"Estamos reivindicando o direito de respirar um ar puro, de ter nossos igarapés limpos", declarou Tatiane. "Só queremos ser ouvidos pelo governador Hélder Barbalho. Nossas comunidades realizam a própria gestão do lixo que produzem e não é justo que seja instalado um lixão para receber lixo da capital dentro de uma área tradicional."
Disputa judicial pelo licenciamento
Em nota oficial, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade (Semas) informou que o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) determinou o prosseguimento do processo de licenciamento ambiental da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos (CTR) da empresa Ciclus Amazônia S.A., localizada em Acará.
Segundo o órgão ambiental, a Semas havia indeferido a licença seguindo critérios técnicos e a legislação ambiental, mas a decisão judicial determinou a continuidade do processo. A secretaria ressalta, no entanto, que a decisão não significa concessão automática da licença.
Conflito que se arrasta há anos
O protesto desta sexta-feira é apenas o mais recente capítulo de uma série de manifestações que ocorrem desde 2022:
- 2022: Moradores já haviam bloqueado trechos da Alça Viária para alertar sobre impactos ambientais e sociais do projeto
- Novembro de 2023: Novos protestos ocorreram após parecer do desembargador Luiz Gonzaga Neto autorizar a retomada do licenciamento
- 25 de setembro: Moradores fecharam a avenida Almirante Barroso, em frente ao Palácio do Governo em Belém, com registro de tensão com a polícia e uso de balas de borracha
As comunidades argumentam que a instalação do aterro ameaça a economia local, a qualidade da água e a saúde das populações tradicionais. A empresa Ciclus Amazônia, por outro lado, defende que o projeto segue todas as normas ambientais e oferecerá "solução definitiva" para o problema de resíduos da região metropolitana.
Atuação do MPF e situação atual
Em outubro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão da audiência pública sobre outro projeto de aterro sanitário em Bujaru, ao constatar que dezenas de comunidades quilombolas e ribeirinhas não haviam sido consultadas, como exige a Convenção 169 da OIT.
O MPF pede que a Semas:
- Não conceda Licença Prévia antes da consulta a todas as comunidades afetadas
- Atualize o EIA/RIMA com todas as comunidades omitidas
- Disponibilize publicamente todos os documentos do licenciamento
Enquanto não há novo espaço definido, o lixo da Região Metropolitana continua sendo enviado ao Aterro de Marituba, que opera há anos acima da capacidade e sob forte pressão judicial e social. Moradores do entorno reclamam de odor, problemas respiratórios e impactos ambientais.