Blocos gigantes de concreto dividem opiniões na Serra
A instalação de blocos de concreto que lembram peças de Lego nas praias da Serra, na Grande Vitória, se tornou o centro de uma disputa ambiental e administrativa. A estrutura, implementada pelo governo do Espírito Santo para conter a erosão marítima na Curva da Baleia, em Jacaraípe, resultou no embargo da obra pela prefeitura na terça-feira, 18 de fevereiro.
Projeto milionário e tecnologia inédita
O Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo (DER-ES) executa o projeto orçado em R$ 17,4 milhões, dividido em dois trechos: 305 metros na Curva da Baleia e 232 metros na Enseada de Jacaraípe (Capuba). A etapa de Capuba, iniciada em julho, já está em fase final, enquanto as obras na Curva da Baleia começaram há uma semana com previsão de conclusão para meados do próximo ano.
Os chamados "legos de concreto" são blocos pré-moldados de até 1,5 tonelada cada, que se encaixam entre si. Apesar da semelhança visual com o brinquedo dinamarquês, não há relação com a marca. O DER-ES defende que a técnica é inspirada em soluções europeias utilizadas para controle de erosão costeira, especialmente em países como os Países Baixos.
Embargo e versões conflitantes
O embargo municipal ocorreu após denúncias de moradores e uma notificação do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). A prefeitura alegou não ter recebido nenhum pedido formal de licenciamento por parte do DER-ES.
Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), sem uma solicitação protocolada, não é possível iniciar qualquer análise técnica ou exigir estudos ambientais. Diante da incerteza, a prefeitura decidiu interromper temporariamente os trabalhos.
O DER-ES contesta essa versão. Em nota, o órgão afirmou ter recebido da prefeitura a Dispensa de Licenciamento Ambiental nº 5.303/2025, confirmada por ofício e parecer técnico da Semma. O departamento reafirmou que mantém diálogo com a prefeitura e o MPES para esclarecer dúvidas sobre os documentos.
Protestos e preocupações ambientais
Na manhã de terça-feira (18), moradores, surfistas, comerciantes e ambientalistas se reuniram na Curva da Baleia para protestar contra a obra. As críticas incluem impactos ambientais, falta de diálogo com a comunidade e riscos às formações coralinas submersas.
O oceanógrafo Lucas Bermudes alertou para possíveis danos aos corais: "Essas pedras fazem com que a energia da onda aumente. Então, a onda bate na pedra jogando areia para cima dos corais, soterrando as partes submersas".
O comerciante Dior Fernandes defendeu soluções alternativas: "Essa obra de concreto não precisava ter sido feita. O que era para fazer é um paisagismo, um aterramento com engorda com grama e restinga, para não impactar".
O surfista Felipe Lacerda reclamou da falta de comunicação: "Ninguém dessa região foi avisado, ninguém tinha consciência dessa obra. A gente quer uma resposta desses órgãos que estão fazendo esse absurdo aqui na nossa praia".
MPES aciona órgão federal
O Ministério Público do Espírito Santo encaminhou o caso ao Ministério Público Federal para avaliação, considerando que a área é reconhecida pela presença de formações coralinas e como ponto de desova de tartarugas marinhas. A região já havia sido alvo de ação civil pública do MPF em 2016.
Enquanto isso, o diretor-geral do DER-ES, José Eustáquio de Freitas, defende a obra como resposta a um problema antigo: "Temos uma forte influência de erosão costeira que impacta na nossa rodovia ES-010. Já tivemos várias intervenções, mas sempre precisamos renovar esse enroncamento. Estamos iniciando uma obra altamente tecnológica que vai resolver definitivamente o problema".
O impasse continua, com a população local aguardando soluções que equilibrem a proteção costeira e a preservação ambiental.