PF investiga ataque coordenado contra indígenas no Mato Grosso do Sul
A Polícia Federal de Naviraí confirmou que o ataque que resultou na morte do indígena Guarani Kaiowá Vicente Fernandes Vilhalva, de 36 anos, na madrugada de domingo (16), apresenta fortes indícios de ter sido uma ação premeditada relacionada a conflitos fundiários na região de Iguatemi, Mato Grosso do Sul.
O crime ocorreu na comunidade Pyelito Kue, localizada na Terra Indígena Iguatemipeguá I. De acordo com os delegados responsáveis pelas investigações, um grupo de indivíduos realizou um ataque direcionado no mesmo horário contra pessoas específicas, indicando planejamento prévio.
Conflito fundiário como principal motivação
O delegado Cesar Gaspar, que comanda as investigações, explicou que os elementos iniciais apontam para uma conexão direta com a disputa por terras na região. "Não se descarta outras motivações, mas o fato de o ataque ter sido direcionado especificamente aos indígenas que estavam naquela parcela da propriedade rural indica, nesse primeiro momento, um conflito fundiário de fundo", afirmou Gaspar.
As primeiras informações sobre tensões na área chegaram à Polícia Federal ainda no dia 5 de novembro, indicando um desentendimento entre moradores da aldeia em Iguatemi e fazendeiros da região. Havia relatos de uma "retomada" - termo utilizado pelos indígenas para reocupar áreas reivindicadas - enquanto produtores rurais teriam se mobilizado para uma ação de desintrusão.
Investigação apura múltiplas possibilidades
Os delegados não descartam completamente outras linhas de investigação, incluindo a possibilidade de desentendimentos internos entre indígenas. Dois suspeitos inicialmente identificados pelas vítimas - ambos indígenas - já fizeram parte da aldeia, o que levantou questionamentos sobre conflitos internos.
O delegado Lucas Vilela detalhou que um indígena chegou a ser preso após reconhecimento por uma das vítimas, mas a PF trata o caso com cautela. "Pode haver tentativa de responsabilizar alguém por motivos passados", ponderou Vilela.
A coleta de vestígios no local foi comprometida porque os próprios indígenas reuniram as cápsulas de munição antes da chegada da polícia. No entanto, foram encontradas muitas cápsulas de calibre 12, comum em armas utilizadas por seguranças de fazendas da região. Duas espingardas foram apreendidas para exame pericial e comparação balística.
Contexto histórico de violência na região
Os investigadores destacaram que a situação envolve fatores históricos e sociais complexos. "Os indígenas têm expectativa de que a terra seja dada a eles. Isso gera ansiedade para antecipar o processo e tomar posse", explicou Lucas Vilela. "Por outro lado, há produtores rurais que ocupam essas terras há décadas e dependem delas para sustento próprio e de trabalhadores."
A Polícia Federal já ouviu cerca de 12 pessoas e recolheu material biológico, mas ainda não há suspeitos sobre quem teria ordenado o ataque. O inquérito está focado nos crimes relacionados à morte e às lesões causadas aos indígenas, assim como aos disparos de arma de fogo.
A Força Nacional foi acionada desde o início para apoiar a PF na região, mas o ataque ocorreu durante um período de ausência do reforço federal. Além do caso do indígena Vicente Fernandes Vilhalva, a PF também investiga a morte de um trabalhador rural atropelado por uma máquina na região, apurando possível relação com o conflito.
Lideranças Guarani Kaiowá já se reuniram com o relator da Organização das Nações Unidas (ONU), Albert K. Barume, durante a COP30 em Belém para denunciar a escalada da violência no território e a ausência de medidas de proteção adequadas.