Uma tensão silenciosa, mas profunda, toma conta da comunidade rural de Vista Alegre, localizada no município de Caracaraí, no sul de Roraima. Pelo menos 20 famílias de agricultores vivem sob a ameaça de perder suas terras, casas e plantações, em um conflito fundiário que envolve a reivindicação de uma extensa área por um fazendeiro.
Ameaça e incerteza no campo
O clima é de apreensão. João de Deus, agricultor de 66 anos, é uma das vozes que ecoam o desespero da comunidade. Ele vive há mais de seis anos em um lote onde cultiva banana e macaxeira, com um contrato de compra e venda autenticado em cartório. No entanto, seu futuro está ameaçado por uma ação judicial de reintegração de posse movida pelo fazendeiro Olavo Aloisio Prevendi Benedini, que apareceu na região em 2020 reivindicando a posse de terrenos.
"Não posso sair daqui para ir para debaixo da ponte e dar para esse cidadão tudo o que consegui com trabalho", desabafa João de Deus. Ele revela que recebeu uma proposta considerada irrisória para abandonar sua propriedade. "Ele propôs me pagar 10 mil reais para deixar meu lote. Eu falei que não aceitava... Falei para ele que se ele me desse 150 [mil] para comprar outro numa vicinal, eu saía no mesmo dia". O agricultor tem até o dia 8 de dezembro para se defender na Justiça.
Uma disputa com documentos conflitantes
O cerne do conflito está na divergência de registros de propriedade. De um lado, os moradores possuem documentos antigos, como contratos e cadastros. Do outro, Olavo apresenta títulos privados registrados em cartório. O Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima) informou que não localizou nenhum título definitivo em nome do fazendeiro na região, mas ressalta que uma consulta mais aprofundada aos cartórios seria necessária para uma confirmação plena.
Enquanto o Iteraima aponta a matrícula nº 3502 como a válida para a área em disputa, a defesa de Olavo utiliza a matrícula nº 3235 em ações judiciais. Até o momento, o fazendeiro já obteve cinco decisões judiciais favoráveis para reintegração de posse em Vista Alegre.
Os moradores relatam ainda táticas de intimidação, como o uso de drones para monitorar as propriedades, o que gera sensação de opressão. A defesa de Olavo alega que o equipamento é usado apenas para levantamentos de rotina da fazenda.
Histórias de perda e resistência
O drama vai além das ameaças judiciais. Ilca Ferreira de Almeida, de 87 anos, viveu na prática a destruição de seu patrimônio. Enquanto estava em Manaus para tratamento de saúde, há dois anos, recebeu a notícia de que sua propriedade havia sido devastada. "Os meninos ligaram: 'Mamãe, acabaram com seu terreno. Quebraram a casa, quebraram a cozinha do forno, quebraram tudo'", relembra a idosa, que atribui a ação ao suposto proprietário.
No local, ela havia construído com as próprias mãos uma casa de farinha, um forno e plantações para sustentar a família. Após a destruição, recebeu uma oferta de indenização que classificou como "humilhante": R$ 20 mil. "Vinte mil reais não dá nem para uma semana. Eu gastei muito mais que isso só para levantar as construções que tinha lá", desabafa. Agora, debilitada, ela clama por uma indenização justa.
A Defensoria Pública de Caracaraí, que já prestou orientação a alguns moradores, classificou o caso como "complexo" e destacou a boa-fé na ocupação demonstrada pelos documentos oficiais apresentados pelas famílias. O órgão orienta que todos os moradores notificados procurem assistência jurídica imediatamente.
Enquanto isso, a comunidade de Vista Alegre, a 152 km de Boa Vista, segue resistindo, com medo do que o futuro pode reservar para o lugar que chamam de lar.