O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciará em dezembro os testes de uma inteligência artificial desenvolvida para revolucionar a análise de processos judiciais na área da saúde. A ferramenta promete reduzir em até dez vezes o tempo médio atual de análise dessas ações, que hoje leva cerca de 20 dias.
Como funcionará a nova tecnologia
Desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) com apoio da Amazon Web Services (AWS), o sistema utiliza uma interface similar a um chat onde magistrados poderão consultar informações técnicas e jurídicas sobre medicamentos e tratamentos. A meta é reduzir o prazo de análise para apenas 48 horas nos casos mais complexos, com respostas quase imediatas para situações mais simples.
O professor João Eduardo Ferreira, do Instituto de Matemática e Estatística da USP (IME-USP), responsável pelo desenvolvimento do modelo, explica: "Os dois dias seriam para os casos mais conflituosos, complexos. Do contrário, a expectativa é algo quase que imediato".
Investimento e desafios financeiros
A Amazon Web Services contribuiu com aproximadamente US$ 350 mil (equivalente a R$ 1,9 milhão) em créditos computacionais e infraestrutura para a fase inicial do projeto. No entanto, não há previsão orçamentária para a continuidade da ferramenta após o término do apoio da big tech ao projeto piloto.
A conselheira do CNJ, Daiane Lira, enfatiza o caráter experimental da parceria: "Não há nenhuma obrigação de o CNJ assumir qualquer ônus em relação ao armazenamento, por exemplo, desse sistema. O nosso compromisso com o InovaHC é que não pode ter custos operacionais".
Crescimento expressivo de ações judiciais
Dados do Painel Justiça em Números do CNJ revelam o crescimento contínuo no volume de processos relacionados à saúde:
- 2020: 352 mil casos
- 2021: 406 mil casos
- 2022: 470 mil casos
- 2023: 577 mil casos
- 2024: 690 mil ações
- Até setembro de 2025: mais de 513 mil novos processos
O acordo de cooperação entre CNJ e InovaHC estabelece metas ambiciosas até agosto de 2027:
- Automatizar 80% da triagem das ações de saúde
- Reduzir em 80% as tarefas administrativas manuais
- Centralizar 80% das demandas judiciais em uma única plataforma
Preocupações com "alucinações" da IA
Projetos que utilizam inteligência artificial generativa em áreas críticas como saúde e Justiça costumam levantar preocupações sobre possíveis "alucinações" - quando o sistema cria informações falsas ou sem base factual.
Os desenvolvedores garantem que o modelo não cria novas análises, apenas sintetiza pareceres técnicos já existentes, sempre exibindo a fonte de cada trecho consultado. A tecnologia combina duas abordagens complementares:
- SLM (Small Language Model): modelo de linguagem especializado exclusivamente em informações sobre ações de saúde
- RAG (Retrieval-Augmented Generation): mecanismo que faz a IA consultar documentos oficiais antes de montar uma resposta
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina foi selecionado para testar a nova inteligência artificial a partir de dezembro. A escolha se deve aos magistrados que já atuam na análise de processos e participam do comitê gestor do e-NatJus, plataforma do CNJ que reúne notas técnicas do SUS para subsidiar decisões judiciais.
Giovanni Cerri, presidente do conselho do InovaHC, ressalta que a validação do piloto será decisiva para definir se o CNJ adotará o modelo em larga escala: "Se, após a validação desse algoritmo, o CNJ achar que o piloto traz benefícios, eventuais custos dessa tecnologia recairão evidentemente sobre o CNJ".