O Rio de Janeiro enfrenta uma grave crise no atendimento oncológico, com 60 novos casos de câncer diagnosticados diariamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado. Dados divulgados no Dia Nacional de Combate ao Câncer revelam que 44% dos pacientes iniciam o tratamento após o prazo máximo de 60 dias estabelecido por lei.
Diagnósticos em alta e tratamentos em espera
Entre janeiro e a primeira quinzena de outubro deste ano, 19.065 pessoas receberam diagnóstico de câncer através da rede pública de saúde fluminense. Deste total, apenas aproximadamente 5.700 pacientes conseguiram iniciar algum tipo de tratamento, sendo que quase metade enfrentou atrasos além do período legalmente permitido.
Os tumores mais frequentes no estado são:
- Câncer de mama: 2.878 casos
- Câncer de próstata: 1.863 casos
- Câncer de pele: 1.196 casos
Um dado que preocupa especialistas é o aumento significativo do câncer colorretal, que já soma 549 diagnósticos no período analisado.
Histórias que ilustram a crise
Joel Felício Teixeira, cobrador de 56 anos, nunca imaginou que as dores que sentia eram sintomas de um câncer de próstata que já havia atingido seus ossos. "Para mim foi terrível porque nunca imaginei, com meus 50 e poucos, ter esse problema. Meu mundo caiu", desabafa o paciente.
Já Marcos dos Santos, de 49 anos e morador de Queimados, na Baixada Fluminense, enfrentou seis meses de espera apenas para receber seu diagnóstico: câncer no reto. Desde setembro, quando a doença foi confirmada, aguarda por uma cirurgia de urgência. "É um tumor que já passa dos 20 cm pendurado na barriga. Todo dia mando mensagem, e eles falam que é assim mesmo", relata o homem, que gasta R$ 150 em cada deslocamento até o Hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel.
Especialista alerta para aumento global da doença
Clarissa Baldotto, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, explica que o aumento nos casos de câncer está relacionado principalmente a fatores de estilo de vida, como obesidade e falta de atividade física. A médica faz um alerta preocupante: "Desde 1990 vem aumentando o número de tumores em pacientes mais jovens na faixa entre 40 e 50 anos. O impacto da doença no mundo todo vem aumentando nos últimos anos, e a gente já tem previsão de que até 2040 o câncer vai ser a doença mais comum".
Amanda Furtado, administradora de 42 anos, viveu na pele as consequências dos atrasos no sistema. Quando finalmente conseguiu iniciar a quimioterapia, o câncer que começou na mama já havia desenvolvido metástases ósseas e hepáticas. "Se não tivesse demorado tanto, muitas coisas não teriam acontecido comigo", lamenta a mulher, que precisou buscar tratamento fora do SUS.
Resposta do poder público
A Secretaria Estadual de Saúde reconhece a falta de unidades de atendimento e anunciou investimentos para melhorar a situação. Dois hospitais oncológicos estão em construção - um na Baixada Fluminense e outro na Região Serrana - com investimento total de R$ 165 milhões.
Para 2024, estão previstos R$ 79,4 milhões para atendimento em unidades universitárias e filantrópicas em todas as regiões do estado, além de R$ 13,8 milhões para contratação de serviços de quimioterapia e radioterapia em clínicas particulares.
Enquanto as promessas de melhorias não se concretizam, pacientes como Jorge Jesus dos Santos, de 63 anos, dependem da solidariedade para realizar exames essenciais. O estofador, que trata um câncer de intestino, só conseguiu fazer um Pet Scan para avaliar possível metástase no pulmão com ajuda de uma ONG. "Eu sonho estar curado e poder fazer a reversão da bolsa", compartilha o idoso.