A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira, 27 de novembro de 2025, uma operação de grande impacto que expõe um sofisticado esquema de enriquecimento ilícito envolvendo médicos e farmácias de manipulação. A Operação Slim mira profissionais de saúde e laboratórios suspeitos de produzir e comercializar versões clandestinas das chamadas "canetas para obesidade".
Esquema milionário com medicamentos manipulados
Os investigadores encontraram um sistema organizado que transformou a prescrição de medicamentos para emagrecimento em uma máquina de fazer dinheiro. Ao todo, foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão nos estados de São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Durante as ações, a PF apreendeu carros de luxo, relógios de alto valor e até aviões registrados em nome de laranjas. As imagens divulgadas mostram corredores abarrotados de frascos, indicando uma produção em escala industrial totalmente irregular.
O principal alvo das investigações é o médico baiano Gabriel Almeida, proprietário de uma clínica em Salvador. Com mais de 750 mil seguidores nas redes sociais, ele mantinha parceria com uma farmácia de manipulação que conta com o jogador Neymar Jr. como um de seus principais divulgadores.
Estratégias de vendas agressivas e eventos de luxo
Vídeos obtidos pela reportagem mostram Almeida em transmissões ao vivo com mais de três mil participantes, onde ensinava outros médicos a aumentar a margem de lucro com manipulados de tirzepatida. Em seguida, representantes da farmácia aparecem oferecendo pacotes promocionais com "preço válido até meia-noite" e até a promessa de participação em um treino do Santos ao lado de Neymar para os dez primeiros compradores.
A dupla chamou atenção por adquirir uma ilha particular na Baía de Todos-os-Santos, na Bahia, utilizada para encontros com médicos e empresários. Registros desses eventos mostram chegadas de helicóptero, bebidas caras e passeios de barco, promovidos nas redes como um "ambiente exclusivo com foco em gestão e mentalidade de alta performance".
Em julho deste ano, o médico baiano já havia sido punido pelo Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) por práticas consideradas graves, como usar receitas e atestados sem identificação adequada e deixar folhas de receituário assinadas em branco.
Fenômeno nacional e riscos à saúde pública
A Operação Slim revelou apenas a ponta de um iceberg que se espalha pelo país. Uma rápida pesquisa nas redes sociais mostra outros médicos - muitos autodeclarados "especialistas" em emagrecimento sem registro no Conselho Federal de Medicina - atuando em parceria com farmácias de manipulação.
Nesse ambiente, surgiram as chamadas "calculadoras de lucro", simuladores que mostram quanto os profissionais podem ganhar ao vender frascos manipulados. Em atendimentos acompanhados pela reportagem, farmácias chegam a recomendar que médicos comprem dez frascos de uma vez em nome de um único paciente e orientam dividir um mesmo frasco entre mais de um paciente - prática proibida e considerada de alto risco sanitário.
O médico sanitarista da Fiocruz Brasília, Cláudio Maierovitch, ex-presidente da Anvisa, alerta que essas práticas representam uma ruptura com os princípios básicos da medicina. "Quando a medicina passa a operar como comércio, a lógica é certamente arriscada. O profissional passa a agir como vendedor, e o vendedor não está preocupado com riscos ou em orientar sobre alternativas terapêuticas", afirma.
Regulação insuficiente e ação do MPF
Em agosto, a Anvisa divulgou uma nota técnica que proibiu a manipulação da semaglutida, mas deixou de fora a tirzepatida - justamente a substância mais utilizada no mercado clandestino. Especialistas criticam a medida por considerar insuficiente para conter o avanço das irregularidades.
O 2º secretário do CFM, Estevam Rivello, reforça que o Código de Ética Médica impede o médico de atuar como farmacêutico ou ter participação direta em farmácias, justamente para evitar conflito de interesse. "O paciente tem o direito de escolher onde vai comprar o medicamento. O médico não pode direcionar suas prescrições exclusivamente para um laboratório ou farmácia", explica.
O assunto já chegou ao Ministério Público Federal (MPF), que abriu um procedimento para avaliar se a regulação atual da Anvisa é suficiente para conter o mercado irregular desses produtos. O procurador Fabiano de Moraes adiantou que uma reunião entre os órgãos deve acontecer nas próximas semanas para discutir medidas mais efetivas.
Enquanto isso, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) registra casos de pacientes internados por náuseas incoercíveis, infecções no local da aplicação e até quadros sistêmicos após o uso de produtos manipulados irregularmente.