A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, pela primeira vez, uma diretriz oficial sobre o uso dos medicamentos conhecidos como canetas antiobesidade. O documento, publicado em 1º de dezembro de 2025, estabelece recomendações para fármacos como a semaglutida (Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro), classificados como agonistas do GLP-1.
Um marco no combate a uma doença global
A nova diretriz surge em um contexto de alarme global. A OMS relembra que a obesidade já afeta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e esteve relacionada a 3,7 milhões de mortes apenas em 2024. O excesso de peso é um fator de risco crucial para doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer, representando um custo econômico que pode chegar a 3 trilhões de dólares anuais até 2030.
Em comunicado, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou: "Nossas novas diretrizes reconhecem que a obesidade é uma doença crônica que pode ser tratada com cuidados abrangentes e ao longo da vida". Ele destacou que, embora a medicação sozinha não resolva a crise, "as terapias com GLP-1 podem ajudar milhões de pessoas".
Recomendação condicional e alertas importantes
A OMS posiciona esses medicamentos como terapias de apoio dentro de um tratamento mais amplo. A entidade é clara ao afirmar que o uso deve ser combinado com mudanças no estilo de vida, incluindo prática regular de atividades físicas, alimentação saudável e acompanhamento médico contínuo.
A recomendação, no entanto, é classificada como condicional. Isso se deve a uma série de ressalvas apresentadas no documento:
- Dados limitados sobre eficácia e segurança no uso em longo prazo.
- Altos custos dos medicamentos, que podem criar barreiras de acesso.
- Preocupação com a inequidade na distribuição e preparo inadequado dos sistemas de saúde.
- Falta de estudos robustos não financiados pelas próprias fabricantes.
Essas conclusões ecoam uma análise publicada em outubro pela Cochrane, que revisou dados de mais de 44 mil participantes de ensaios clínicos. A análise confirmou os benefícios, mas também alertou para as mesmas limitações.
Especialistas veem diretriz como avanço, mas pedem acesso ampliado
Para a comunidade médica, a publicação é um marco. O endocrinologista Alexandre Hohl, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), comemora o reconhecimento. "É um marco... trazer esse grupo de medicamentos como terapia de escolha demonstra o quanto avançamos", disse. Ele ressaltou que os remédios atuam não apenas na perda de peso, mas também na melhora do controle metabólico e na redução de riscos cardiovasculares.
Apesar do otimismo, a OMS expressa preocupação com o acesso. A entidade estima que, mesmo com a expansão da produção, essas terapias devem alcançar menos de 10% das pessoas que poderiam se beneficiar delas até 2030. Por isso, a diretriz faz um apelo à comunidade global para considerar estratégias como aquisição conjunta entre países, preços escalonados e licenciamento voluntário para ampliar a disponibilidade.
O documento final estabelece três pilares fundamentais para estratégias nacionais: a criação de ambientes mais saudáveis por meio de políticas públicas, a proteção de indivíduos de alto risco com intervenções precoces e a garantia de acesso a cuidados centrados na pessoa ao longo de toda a vida.