Uma trajetória de cinco décadas dedicadas à solidariedade chegou ao fim no último sábado (22), quando o aposentado Joaquim Garcia, de 69 anos, realizou sua última doação de sangue no Hemonúcleo Regional de Jaú, interior de São Paulo. A despedida acontece às vésperas do Dia Nacional do Doador de Sangue, celebrado nesta terça-feira (25).
Uma vida dedicada a salvar vidas
Joaquim começou sua jornada como doador ainda aos 19 anos, em 1975, atendendo a um pedido do próprio pai para ajudar uma vizinha que precisava de sangue. "Lembro do meu pai falando que eu iria ajudar, e foi assim que tudo começou. A senhora ficou boa com a minha ajuda", conta emocionado.
Desde então, o morador de Jaú manteve uma rotina rigorosa de pelo menos duas doações por ano, sempre motivado pelo desejo de fazer a diferença na vida das pessoas. "Vi na doação de sangue uma forma de ajudar as pessoas. Me sinto até mais leve depois de fazer uma doação", revela Joaquim.
Marcos inesquecíveis em 50 anos de doações
Entre as centenas de doações realizadas, algumas histórias marcaram profundamente o doador. Há aproximadamente 45 anos, Joaquim teve a oportunidade de ajudar de forma imediata uma vítima de acidente na Rodovia Raposo Tavares, em Ourinhos.
"Os paramédicos perguntaram se alguém podia doar sangue para uma das vítimas ali na hora, e eu pude ajudar", relembra. "Meses depois, o marido daquela mulher veio até em casa agradecer porque aquela doação havia salvado a vida da esposa dele. Aquilo me marcou muito".
Considerado "sangue bom" pela equipe médica, Joaquim perdeu a conta de quantas doações realizou ao longo desses 50 anos. Porém, segundo registros do Hospital Amaral Carvalho, responsável pelo Hemonúcleo Regional de Jaú, apenas nos últimos 19 anos foram mais de 30 doações na unidade.
O impacto real de cada doação
O médico hematologista Marcos Mauad, coordenador do Hemonúcleo Regional de Jaú, explica a dimensão da contribuição de Joaquim: "Infelizmente não temos os registros mais antigos, mas só no período que temos registrado, seu gesto de solidariedade contribuiu para a produção de 100 a 120 hemocomponentes, ajudando a salvar de 100 a 120 vidas".
O Hemonúcleo de Jaú tem uma importância crucial na região, pois abastece outros 11 hospitais. "Pacientes em tratamento contra o câncer frequentemente necessitam de transfusões sanguíneas", explica o médico, destacando que o sangue doado também é essencial para cirurgias de grande porte e emergências.
O legado que continua
Com a "aposentadoria compulsória" devido à regra que limita a doação até os 70 anos, Joaquim agora assume uma nova missão: incentivar mais pessoas a doarem sangue. "Eu falo para os meus amigos doarem. Não dói nada, é tão simples e faz tanta diferença para muita gente. Não tem nem noção de quantas pessoas precisam".
O processo completo de doação leva cerca de 40 minutos, desde o cadastro até o lanche pós-doação. A coleta em si é um procedimento rápido, que geralmente dura entre sete e 15 minutos, utilizando material totalmente descartável para garantir a segurança do doador.
"Após a coleta, separamos o sangue em hemocomponentes como concentrado de hemácias e de plaquetas, que podem ser utilizados em diferentes tratamentos", detalha Mauad. "Isso possibilita que apenas um doador possa salvar até quatro vidas".
Realidade preocupante no Brasil
Enquanto Joaquim encerra sua trajetória, o Brasil enfrenta um cenário preocupante em relação às doações de sangue. Menos de 2% dos brasileiros doam sangue regularmente, ficando abaixo da meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde, que varia entre 3% e 5% da população.
Um levantamento realizado em 2021 mostrou que 54% das pessoas nunca doaram e não pretendem doar no futuro. Além disso, 48% da população não inclui a doação de sangue em sua rotina, enquanto 23% doam apenas pontualmente e 9% somente quando solicitados para ajudar familiares ou conhecidos.
Com a aproximação das festas de final de ano, os hemocentros tendem a enfrentar estoques ainda mais críticos, especialmente de doadores de primeira vez.
O exemplo de Joaquim Garcia serve como inspiração neste Dia Nacional do Doador de Sangue, mostrando que pequenos gestos realizados consistentemente podem transformar e salvar centenas de vidas ao longo dos anos.