
Pois é, a discussão sobre até onde a tecnologia pode — ou deve — ir para salvar vidas acaba de ganhar um capítulo novo e bastante polêmico aqui no Brasil. E ele foi escrito em Mato Grosso.
Numa jogada que mistura altruísmo genuíno com uma pitada de ficção científica distópica, os deputados estaduais bateram o martelo. Aprovou-se, em primeira votação e por unanimidade, um projeto de lei que soa como roteiro de Black Mirror, mas com um objetivo nobre: usar algoritmos para fuçar redes sociais e detectar, antes que seja tarde demais, pessoas à beira do abismo.
A ideia, claro, não é sair vigiando a vida alheia por vigiar. O sistema de IA seria treinado para ser um "farejador digital" de angústia, procurando por padrões linguísticos, palavras-chave e até emojis que, somados, pintem um quadro de profundo sofrimento psicológico. Think: frases de desespero, despedida, ou uma mudança brusca no tom das publicações.
Como isso funcionaria na prática? Bom, aí entram os detalhes espinhosos.
O texto fala em criar um "Sistema de Monitoramento Inteligente e Integrado", um nome bonito para uma ferramenta que rastreia postagens públicas — sim, apenas as que não têm restrição de privacidade — em plataformas como Facebook, X (antigo Twitter) e Instagram. Ao identificar uma possível crise, um alerta seria disparado.
Para quem? Eis a pergunta de um milhão de dólares. O projeto deixa em aberto se o aviso iria direto para as autoridades de saúde, para a família ou até para a polícia, em casos de risco iminente. Essa falta de clareza, convenhamos, é o que mais assombra os defensores de privacidade.
O autor da proposta, o deputado Dr. Gimenez (PV), que é médico, defende a medida com unhas e dentes. Ele argumenta, não sem razão, que o suicídio é uma epidemia silenciosa e que as pessoas, cada vez mais, desabafam seu desespero online. "É nosso dever, enquanto poder público, usar todas as ferramentas ao nosso alcance para estender a mão", ele provavelmente diria.
Mas e o direito à privacidade? E o risco de falsos positivos? Imagina receber uma visita inesperada porque um algoritmo interpretou mal uma letra de música triste que você postou. O debate é complexo e cheio de nuances, e a implementação exigiria um cuidado cirúrgico para não trocar uma tragédia por um pesadelo de vigilância.
O projeto ainda precisa passar por uma segunda votação antes de seguir para a sanção — ou veto — do governador Mauro Mendes (União). Até lá, uma coisa é certa: Mato Grosso colocou o dedo na ferida de um dos dilemas éticos mais urgentes do nosso tempo. A pergunta que fica é: até onde estamos dispostos a ser vigiados para nos sentirmos — e estarmos — seguros?