Uma pesquisa científica publicada na revista Scientific Reports trouxe uma revelação importante sobre nossa relação com as redes sociais: a maioria dos usuários do Instagram que acredita ser "viciada" na plataforma, na verdade, não apresenta sintomas clínicos de dependência. O estudo aponta que o comportamento é, em grande parte, motivado por hábitos automáticos, e o uso indiscriminado do termo "vício" pode estar prejudicando a capacidade das pessoas de gerenciarem seu tempo online.
Percepção versus realidade nos dados
O estudo analisou o comportamento de 380 participantes. Os resultados mostram uma discrepância significativa entre o que as pessoas sentem e a realidade clínica. Apenas 2% dos usuários demonstraram sinais que se aproximam de um quadro de vício real, como irritabilidade na ausência do app, dificuldade extrema de interromper o uso e prejuízos concretos no trabalho ou nos estudos.
No entanto, a percepção de dependência era muito maior: 18% dos entrevistados afirmaram se sentir pelo menos "um pouco viciados", e 5% disseram acreditar fortemente que têm um vício. Essa distância evidencia, segundo os autores, que muitos confundem o uso frequente – muitas vezes por hábito – com uma condição de dependência patológica.
O peso do rótulo e a influência da mídia
Mas por que tanta gente acredita que tem um vício? Os pesquisadores investigaram uma possível causa no discurso público. A equipe analisou 4.383 textos da imprensa americana publicados entre 2021 e 2024 que usavam a expressão "vício em redes sociais". No mesmo período, apenas 50 artigos mencionavam o termo "hábito".
Esse desequilíbrio na cobertura midiática, de acordo com o estudo, influencia diretamente como o público interpreta seu próprio comportamento. O problema é que chamar um hábito automatizado de vício tem consequências. Em um segundo experimento com 824 usuários, os pesquisadores descobriram que o simples ato de pedir para a pessoa enquadrar seu uso do Instagram como um "vício" fez com que ela se sentisse menos capaz de controlar o tempo na plataforma.
Os participantes passaram a relatar maior sensação de perda de controle, mais tentativas fracassadas de reduzir o uso e uma tendência maior a culpar a si mesmos e o design do aplicativo. "Quando o usuário acredita que está diante de um vício, ele tende a enxergar o comportamento como algo difícil de mudar", descreve o estudo. Essa percepção reduz a motivação, alimenta a culpa e faz com que pequenas mudanças de rotina pareçam inúteis.
Hábito, não transtorno: a chave para o controle
A solução proposta pelos autores do estudo passa por uma mudança de enquadramento. Para a grande maioria dos usuários, compreender o uso excessivo como um hábito arraigado – e não como um transtorno – tende a melhorar a sensação de controle e favorecer mudanças práticas.
Hábitos são comportamentos automáticos acionados por gatilhos cotidianos, como pegar o celular ao acordar ou abrir o Instagram em momentos de tédio. Eles não têm relação direta com uma dependência clínica, mas sim com repetição e automatização. Entender isso é libertador.
Pequenas alterações na rotina tornam-se mais viáveis quando o comportamento não é visto como algo imutável. Os pesquisadores sugerem:
- Reduzir gatilhos automáticos (ex.: desativar notificações).
- Reorganizar o uso do celular (ex.: não deixar o app na tela inicial).
- Estabelecer momentos específicos para checar a rede.
Os autores também fazem um apelo: formuladores de políticas públicas e veículos de comunicação devem ser mais criteriosos no uso da palavra "vício" ao falar de redes sociais. Adotar um enquadramento mais preciso pode ajudar os usuários a desenvolver uma relação mais realista, menos angustiada e, finalmente, mais saudável com o próprio tempo de tela.