O que é afantasia e como afeta a vida das pessoas
Imagine fechar os olhos e tentar visualizar um campo florido ou o rosto de alguém querido. Para a maioria das pessoas, essa é uma tarefa simples, mas para Nicolly Santos, uma jovem de 20 anos moradora de Sorocaba (SP), essa experiência é completamente diferente. Ela convive com a afantasia, uma condição neurológica também conhecida como "cegueira da mente".
Entendendo a condição neurológica
Segundo o neuropsicólogo Andrei Starley, também de Sorocaba, a afantasia é uma variação neurológica na qual o cérebro não produz imagens mentais voluntárias. A pessoa compreende descrições e conceitos, mas não consegue visualizá-los mentalmente. O especialista explica que não se trata de uma doença, mas sim de um transtorno do neurodesenvolvimento sem causas definidas.
Existem três variações desta condição:
- Afantasia parcial
- Afantasia específica
- Hiperfantasia
Andrei destaca que a afantasia pode estar associada a diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), mas também pode ocorrer de forma isolada.
O dia a dia com afantasia
Nicolly descobriu que tinha afantasia durante a adolescência e descreve sua experiência de forma clara: "Quando imagino algo, eu vejo só o vulto da coisa. Tenho muita dificuldade de visualizar personagens, pessoas e descrições. Não aparece nada".
A jovem revela que, quando alguém pergunta se ela viu uma pessoa loira, por exemplo, o rosto do indivíduo não surge em sua mente, embora ela compreenda o conceito. Sua mente funciona através de palavras, não de imagens.
Um dos hobbies mais afetados pela condição é a leitura. Nicolly explica que a incapacidade de imaginar personagens e cenários fez com que demorasse a desenvolver o gosto pela leitura. "Já me acostumei a não ver nada quando leio", conta ela, que hoje possui uma estante composta principalmente por gibis e mangás, que oferecem ilustrações para ajudá-la a compreender as histórias.
Comparação com quem não tem afantasia
Em contraste com a experiência de Nicolly, Graça Helena, que não tem afantasia, descreve a leitura como "assistir a um filme na mente". Ela consegue imaginar atores e cenários enquanto folheia as páginas e atribui à leitura o desenvolvimento de sua criatividade.
Impactos na vida prática e emocional
O neuropsicólogo Andrei Starley explica que, embora a afantasia não cause prejuízos constantes, ela se manifesta através de pequenas dificuldades na rotina, especialmente na memorização e no convívio social. A condição pode causar exaustão mental e afetar funções executivas, linguagem, memória e resolução de problemas.
Nicolly compartilha um exemplo concreto: "Nas aulas de matemática, vários colegas conseguiam resolver as contas de cabeça. Já eu precisava contar nos dedos e rabiscar o papel. Até hoje é muito difícil resolver problemas matemáticos mentalmente".
A ausência de imagens mentais também impacta a criatividade, tornando atividades como escrever e desenhar particularmente desafiadoras. Andrei observa que muitas pessoas só descobrem que têm afantasia na vida adulta, quando percebem que outras conseguem "ver" imagens na mente.
Consequências emocionais e sociais
Um dos aspectos mais difíceis para Nicolly é a incapacidade de visualizar o rosto de pessoas queridas, incluindo o de sua própria mãe. "Parece que minha mente apaga isso. Se eu for descrevê-la, seria o básico, como cor dos cabelos e olhos", relata.
O neuropsicólogo alerta que essa dificuldade pode levar ao desenvolvimento de depressão e ansiedade. A frustração de não conseguir lembrar ou imaginar pode gerar tristeza e autojulgamento, criando uma sobrecarga emocional significativa.
Estratégias e tratamento
Embora não exista cura ou medicamentos específicos para afantasia, Andrei Starley destaca que existem estratégias que podem ajudar. A repetição, modelos mais claros e a possibilidade de ver várias vezes são algumas das abordagens eficazes.
Com acompanhamento de psicólogos e neuropsicólogos, os pacientes podem desenvolver melhorias ao longo do tempo através de:
- Exercícios de memorização
- Técnicas multissensoriais
- Terapia focada em funções executivas
- Uso de substitutos cognitivos
Nicolly representa uma entre muitas pessoas que convivem com esta condição neurológica, mostrando que é possível adaptar-se e encontrar formas alternativas de experienciar o mundo, mesmo sem a capacidade de visualizá-lo mentalmente.