O câncer infantojuvenil representa uma tragédia silenciosa no Brasil, onde os números absolutos escondem uma realidade social muito mais complexa. Embora corresponda a apenas 1% a 3% de todos os casos de câncer no país, esta doença se configura como a principal causa de morte por doença nessa faixa etária.
Os números que não contam a história completa
Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), entre 8 mil e 10 mil crianças e adolescentes são diagnosticados com câncer a cada ano no Brasil. Deste total, mais de 2.400 perdem a vida anualmente. Na fria lógica das métricas de saúde pública, esses percentuais podem parecer insignificantes quando comparados aos tumores que afetam a população adulta.
Porém, a médica Mariana Bohns Michalowski, oncologista pediátrica e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope), alerta que confiar apenas no que é mensurável pode levar a más escolhas em saúde pública. O que não aparece nas estatísticas é tão valioso quanto os próprios números: cada vida perdida significa décadas de futuro que desaparecem.
O peso invisível do câncer pediátrico
O impacto do câncer infantil vai muito além da criança diagnosticada. As consequências se estendem por toda a estrutura familiar e social:
- Pais frequentemente precisam abandonar seus empregos para dedicar-se aos cuidados
- Irmãos ficam sob cuidados de terceiros ou parentes
- Famílias inteiras percorrem longas distâncias em busca de tratamento adequado
- Renda familiar é corroída por despesas não cobertas pelo sistema de saúde
- Estabilidade emocional de todos os envolvidos é profundamente afetada
Esses custos invisíveis não aparecem nas planilhas governamentais, mas representam uma erosão silenciosa da produtividade social e econômica das famílias brasileiras.
Investimento em saúde como retorno social
Tratar e curar uma criança com câncer não significa apenas salvar uma vida individual. Trata-se de devolver à sociedade um futuro trabalhador, cidadão e criador. Cada criança que supera a doença representa anos de contribuição social, econômica e cultural que seriam perdidos.
Neste contexto, os gastos em saúde não devem ser encarados pelos gestores públicos como meras despesas, mas como investimentos estratégicos cujo retorno se acumula ao longo do tempo. A visão restrita aos números absolutos, no entanto, perpetua desigualdades e esconde a verdadeira dimensão social do câncer pediátrico.
Naturalmente, as políticas públicas tendem a priorizar tumores mais comuns em adultos, onde o volume de casos é maior e a demanda mais evidente. Mas essa abordagem precisa ser repensada à luz dos impactos de longo prazo.
Três frentes para mudar o cenário
Para transformar esta realidade, a especialista defende três eixos fundamentais de ação:
- Diagnóstico precoce: capacitar a atenção primária para reconhecer sinais de alerta do câncer infantojuvenil
- Equidade de acesso: reduzir o abismo entre centros de excelência e regiões desassistidas do país
- Incorporação ágil de terapias: acelerar a incorporação de terapias modernas no sistema público
Se os pequenos números absolutos do câncer infantil escondem grandes custos sociais, o inverso também é verdadeiro: cada criança salva representa um ganho social incalculável para o futuro do país. A luta contra o câncer pediátrico, portanto, não é apenas uma questão de saúde, mas de investimento no desenvolvimento nacional.