Uma tragédia evitável chocou Manaus e reacendeu o debate sobre segurança hospitalar. Benício Xavier de Freitas, um menino de apenas 6 anos, morreu após receber uma dose intravenosa errada de adrenalina no Hospital Santa Júlia, entre os dias 23 e 24 de novembro. A médica responsável, Juliana Brasil Santos, admitiu o erro fatal em documento enviado à polícia, enquanto os pais da criança relatam um cenário de despreparo e negligência durante o atendimento de emergência.
O relato dos pais: celular na mão e desespero
Durante um protesto por justiça realizado na segunda-feira, 1º, a mãe de Benício, Joyce Freitas, fez graves acusações contra a médica plantonista. Segundo ela, a profissional "não saía do celular" enquanto o filho apresentava reações graves à medicação. "Quando ela chegou, não tinha ação. Ela não sabia o que fazer. A equipe de enfermagem estava acudindo mais o meu filho que ela", desabafou Joyce, que descreveu a atitude da médica como "despreparo total".
O pai, Bruno Freitas, corroborou o relato. Ele afirmou que a médica permaneceu com o aparelho na mão durante procedimentos críticos e, em um momento, chegou a sair da sala enquanto falava ao telefone. "A gente não sentiu firmeza. Eu mal lembro dela dentro da enfermaria. Na sala de emergência, ela ficava no celular. Foi uma indignação muito grande", declarou.
Admissão do erro e investigação policial
As declarações da família ganharam ainda mais força com a confirmação da Polícia Civil sobre a veracidade de mensagens trocadas pela médica Juliana Brasil Santos. Nos prints, a profissional escreve: "Pelo amor de Deus. Eu errei a prescrição. Me ajuda". O erro também foi reconhecido em um relatório oficial do hospital, que descreve que a criança de 21 quilos recebeu adrenalina por via intravenosa em dosagem e forma incompatíveis com seu peso, conforme atestado por peritos.
O delegado Marcelo Martins, do 24° Distrito Integrado de Polícia (DIP), investiga o caso como homicídio doloso qualificado e chegou a pedir a prisão preventiva da médica. No entanto, a Justiça negou o pedido, concedendo à profissional um habeas corpus preventivo. Ela responde ao processo em liberdade.
Cronologia de uma tragédia e busca por justiça
Benício foi levado ao hospital no dia 22 de novembro com tosse seca e suspeita de laringite. A prescrição médica incluía três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml a cada 30 minutos. A técnica de enfermagem de plantão, Raiza Bentes, que aplicou a medicação, afirmou à polícia que apenas seguiu a prescrição, sem questioná-la.
Minutos após a aplicação, o estado do menino piorou drasticamente. Ele ficou pálido, com membros arroxeados, e reclamou que "o coração estava queimando". Sua saturação de oxigênio caiu para 75%. Internado na sala vermelha e depois intubado na UTI, Benício sofreu seis paradas cardíacas consecutivas. A última foi fatal, ocorrendo às 2h55 do dia 23 de novembro.
Além da investigação criminal, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) instaurou um processo ético sigiloso contra a médica. O Hospital Santa Júlia afastou tanto Juliana Santos quanto a técnica de enfermagem Raiza Bentes. Nesta segunda-feira, a polícia ouviu o médico Henryko Garcia, com quem Juliana trocou mensagens, e o enfermeiro Tairo Neves Maciel, que confirmou a versão da técnica de enfermagem sobre ter ficado sozinha no atendimento.
Uma acareação entre a médica e a técnica está marcada para quinta-feira, 4, para tentar esclarecer contradições. Enquanto isso, a família clama por justiça. "O coração do nosso filho queimou naquele dia. Hoje é o nosso que sangra. Queremos justiça e que medidas concretas sejam tomadas para que isso nunca mais aconteça", disse Bruno Freitas, pai de Benício, em meio à dor que transformou sua vida e mobilizou Manaus.