As investigações sobre a morte do menino Benício Xavier, de 6 anos, em Manaus, avançam com um passo crucial marcado para esta quinta-feira, 4 de janeiro. A médica Juliana Brasil Santos e a técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva serão colocadas frente a frente em uma acareação, determinada pela Polícia Civil para tentar sanar as contradições encontradas nos depoimentos das duas profissionais.
Versões em conflito sobre o atendimento fatal
O delegado Marcelo Martins, titular do 24º Distrito Integrado de Polícia (DIP) e responsável pelo inquérito, confirmou o procedimento. Ele explicou que as narrativas colhidas separadamente não coincidem. “Do depoimento que ocorreu tanto da técnica de enfermagem Raíza quanto da médica Juliana, foram observadas contradições”, afirmou Martins. A acareação tem como objetivo justamente elucidar como de fato ocorreram os fatos durante o atendimento que resultou na aplicação intravenosa de adrenalina na criança, procedimento apontado como erro pela própria médica em relatório hospitalar.
O caso é investigado como homicídio doloso qualificado, com a possibilidade de o crime ter sido praticado com crueldade. A médica chegou a ter um pedido de prisão preventiva feito pelo delegado, mas segue em liberdade graças a um habeas corpus concedido pela Justiça.
O que dizem a médica e a técnica de enfermagem
As versões apresentadas à polícia, ambas em 28 de novembro, são divergentes em pontos centrais. A médica Juliana Brasil Santos, em relatório do Hospital Santa Júlia enviado à polícia, reconheceu ter errado ao prescrever adrenalina na veia de Benício. Ela narrou que comentou com a mãe do menino que a medicação deveria ser por via oral e disse ter se surpreendido com a falta de questionamento da equipe de enfermagem.
Posteriormente, sua defesa apresentou uma nova linha de argumentação. Os advogados alegam que a médica reconheceu o erro “no calor do momento”, mas que a prescrição incorreta de adrenalina intravenosa foi causada por uma falha no sistema automatizado do hospital. Eles apresentaram um vídeo que, segundo afirmam, mostra problemas na plataforma de prescrição. O advogado Felipe Braga explicou que Juliana teria registrado a medicação por via inalatória, mas o sistema, instável naquele dia, alterou automaticamente para a via intravenosa. “Se fosse uma prescrição escrita, o erro não teria acontecido”, defendeu Braga.
Já a técnica de enfermagem Raiza Bentes Paiva afirmou em depoimento que apenas seguiu a prescrição médica ao pé da letra. Ela relatou que a medicação foi administrada via intravenosa e sem diluição, conforme constava na prescrição de Juliana Santos. Raiza disse ter avisado a mãe da criança sobre o procedimento e até mostrado a prescrição. “Eu administrei a medicação conforme a prescrição médica. Não tive auxílio, estava sozinha. A mãe questionou a via de administração, mas estava prescrito intravenoso”, declarou.
A profissional, que tem sete meses de formação, ressaltou que não poderia realizar nenhum procedimento sem prescrição. Ela contou que, após a aplicação, Benício apresentou palidez, dor no peito e dificuldade respiratória, e que chamou a médica, que teria orientado a “aguardar”.
Cronologia da tragédia e desdobramentos
Benício Xavier foi levado ao Hospital Santa Júlia no dia 22 de novembro com tosse seca e suspeita de laringite. Segundo a família, após receber lavagem nasal, soro e xarope, ele foi submetido a três doses de adrenalina intravenosa de 3 ml, aplicadas a cada 30 minutos. O menino piorou rapidamente, ficando pálido, com membros arroxeados e reclamando que “o coração estava queimando”. Sua saturação caiu para cerca de 75%. Transferido para a UTI, sofreu seis paradas cardíacas durante a intubação e morreu às 2h55 do dia 23 de novembro.
Além da investigação policial, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) abriu um processo ético sigiloso para apurar a conduta da médica. O Hospital Santa Júlia informou que não vai se manifestar sobre o caso e já afastou as duas profissionais envolvidas. A acareação desta quinta-feira representa mais um capítulo na busca pela elucidação completa das responsabilidades pela morte do menino Benício.