Ultraprocessados: estudo global na Lancet alerta para risco à saúde
Ultraprocessados são risco global à saúde, diz Lancet

Uma série especial publicada na renomada revista científica The Lancet nesta terça-feira, 18 de novembro de 2025, traz um alerta contundente sobre os alimentos ultraprocessados. O trabalho reúne o consenso de 43 pesquisadores de diversos países, incluindo o brasileiro Carlos Monteiro, e conclui que esses produtos representam uma ameaça urgente à saúde pública global.

O que são ultraprocessados e por que preocupam

Os alimentos ultraprocessados são produtos industrializados fabricados com ingredientes de baixo custo, como gorduras hidrogenadas, isolados proteicos e xaropes de glicose e frutose, além de aditivos cosméticos como corantes, adoçantes artificiais e emulsificantes. Entre os exemplos mais comuns estão biscoitos recheados, salgadinhos, refrigerantes, macarrão instantâneo, salsichas, nuggets, pizzas congeladas e sorvetes.

O consumo desses produtos cresceu dramaticamente em todo o mundo. No Brasil, o consumo mais que dobrou nas últimas décadas, saltando de cerca de 10% para 23% da alimentação dos brasileiros. Na Espanha, triplicou (de 11% para 32%), enquanto na China também triplicou (de 4% para 10%). Em países como Estados Unidos e Reino Unido, metade da alimentação diária já vem desses produtos.

Riscos à saúde e doenças associadas

Os pesquisadores revisaram mais de uma década de evidências e encontraram associações consistentes entre dietas ricas em ultraprocessados e diversos problemas de saúde. Uma análise especial conduzida para a série examinou 104 estudos de longo prazo, e 92 deles identificaram aumento de risco para uma ou mais doenças crônicas.

As condições de saúde associadas ao consumo excessivo de ultraprocessados incluem:

  • Obesidade
  • Diabetes tipo 2
  • Doenças cardiovasculares
  • Depressão
  • Maior risco de morte precoce

Os autores reconhecem que ainda existem lacunas no conhecimento científico, como a necessidade de mais ensaios clínicos extensos, mas argumentam que essas incertezas não devem servir de desculpa para adiar ações concretas.

Propostas para enfrentar o problema

Os pesquisadores defendem um pacote de políticas públicas para frear a produção, a publicidade e o consumo de ultraprocessados, responsabilizando diretamente as empresas que produzem esses produtos. Entre as medidas propostas estão:

  • Incluir nos rótulos frontais informações sobre ingredientes típicos de ultraprocessados
  • Restrições mais duras à publicidade, especialmente a voltada para crianças
  • Impedir a venda desses produtos em escolas e hospitais
  • Limitar o espaço dos ultraprocessados nas prateleiras dos supermercados
  • Usar impostos sobre ultraprocessados para financiar subsídios que barateiem alimentos frescos

O Brasil já tem exemplos positivos nessa direção. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) praticamente eliminou os ultraprocessados das merendas e estabeleceu que, até 2026, 90% dos alimentos servidos devem ser frescos ou minimamente processados.

Poder corporativo e necessidade de resposta global

Os pesquisadores destacam o enorme poder econômico por trás da indústria de ultraprocessados. As vendas globais desses produtos chegam a US$ 1,9 trilhão por ano, tornando este o segmento mais lucrativo da indústria de alimentos. Desde 1962, fabricantes de ultraprocessados foram responsáveis por mais da metade dos US$ 2,9 trilhões distribuídos a acionistas por empresas de alimentos listadas em bolsa.

As corporações do setor atuam politicamente para preservar seus interesses, articulando grupos de pressão em diferentes países, fazendo lobby com representantes públicos, financiando campanhas e recorrendo a disputas judiciais para dificultar a implementação de regulações.

Diante desse cenário, os autores defendem uma resposta coordenada de saúde pública global, similar à usada contra a indústria do tabaco há décadas. Isso inclui proteger os processos de formulação de políticas contra interferências da indústria, encerrar vínculos entre empresas de ultraprocessados e organizações ou profissionais de saúde, e criar uma rede internacional de articulação política dedicada ao tema.

Os especialistas concluem que enfrentar o problema exige uma revisão mais ampla dos sistemas alimentares, valorizando produtores locais, preservando tradições culturais e garantindo que os benefícios econômicos da produção retornem às comunidades, e não apenas aos acionistas.