O cirurgião bariátrico e pesquisador Cid Pitombo encontrou uma metáfora poderosa para os desafios da cirurgia de obesidade em um filme de guerra estrelado por Bruce Willis. Em sua mais recente reflexão, publicada em 16 de dezembro de 2025, ele traça um paralelo entre a resiliência da cidade chinesa de Chongqing durante a Segunda Guerra Mundial e a complexa jornada dos pacientes que se submetem à cirurgia bariátrica.
Chongqing: Uma Lição Histórica de Resistência
No longa-metragem "Ataque Aéreo", a narrativa se concentra nos anos cruéis de bombardeios japoneses sofridos por Chongqing. A cidade, que se tornou um refúgio nas montanhas e a capital chinesa durante o conflito, foi alvo de ataques incessantes por mais de seis anos. Apesar da devastação, ela não apenas sobreviveu, mas se transformou na maior metrópole do mundo em número de habitantes, moderna e próspera.
Cid Pitombo destaca essa capacidade de recuperação como uma inspiração poderosa. Assim como Chongqing, a cirurgia bariátrica passou por um período inicial turbulento, mas hoje alcançou um patamar de segurança muito maior.
Os "Bombardeios" Iniciais da Cirurgia Bariátrica
Pitombo relembra que o início desses procedimentos no Brasil, na década de 1990, foi marcado por uma série de problemas. A logística de materiais era inadequada e os cirurgiões, assim como pilotos em missão inaugural, ainda acumulavam pouca experiência técnica. Esse cenário resultou em complicações e perdas lamentáveis, uma fase que o médico compara aos primeiros e difíceis dias de um bombardeio.
Ele faz um paralelo com outras especialidades cirúrgicas complexas, como a cardíaca e os transplantes, que também tiveram um começo árduo. Essa etapa, embora dolorosa, foi necessária para o refinamento das técnicas que, posteriormente, salvaram milhões de vidas.
O Organismo como um Campo de Batalha Inflamado
O médico adverte, no entanto, que para o paciente com obesidade mórbida – aquele que preenche os critérios para a cirurgia – o corpo já é um cenário de conflito antes mesmo do procedimento. "É um campo minado, o que chamamos de inflamado crônico", explica Pitombo. O organismo desse paciente está sob constante ataque de substâncias inflamatórias que afetam progressivamente todos os órgãos.
Por isso, a indicação cirúrgica deve ser precisa e o preparo clínico e psicológico, rigoroso. Mesmo com os avanços, submeter um "organismo-cidade" já sob estresse a uma cirurgia é como expô-lo a um novo e intenso bombardeio. O risco de complicações existe e pode agravar significativamente o estado de saúde.
A Complicação Pós-Cirúrgica: A Batalha Dentro do Corpo
Quando uma complicação ocorre, a metáfora de guerra se intensifica. O cirurgião descreve o corpo do paciente obeso como uma cidade (o organismo) sob ataque constante. As substâncias inflamatórias, toxinas, bactérias e fungos agem em uma escala amplificada se comparada a um paciente sem obesidade.
Os "bairros" vitais – fígado, sistema cardiovascular, rins e pâncreas – que já não estavam em condições ideais, passam a sofrer um bombardeio ininterrupto. A hidratação se torna um desafio, a nutrição é dificultada pelo repouso do sistema digestivo no pós-operatório, e a distribuição de medicamentos como antibióticos e analgésicos é comprometida pelo excesso de tecido adiposo, que atrapalha sua concentração e disponibilidade.
Nessa luta pela sobrevivência, as defesas naturais do corpo, já fragilizadas, vão se enfraquecendo. A presença de uma equipe médica experiente, o "general no comando", é fundamental para aumentar as chances de a "cidade não colapsar". Mesmo assim, há casos em que áreas já muito comprometidas antes da "batalha" cirúrgica não resistem.
A Vitória e a Longa Reconstrução
A boa notícia, assim como a história de Chongqing demonstra, é que a resistência é possível. A grande maioria dos pacientes que enfrentam complicações consegue superá-las. No entanto, a vitória na batalha imediata não é o fim da guerra.
Pitombo finaliza com uma reflexão crucial: após sobreviver, Chongqing precisou cuidar dos traumas psicológicos e reconstruir cada pedaço da cidade. Da mesma forma, o paciente que vence uma complicação da cirurgia bariátrica terá um longo caminho pela frente para lidar com as sequelas físicas e psicológicas do enfrentamento. Essa jornada pós-batalha reforça a importância extrema de um preparo minucioso e de uma indicação cirúrgica precisa e individualizada. A cirurgia é uma ferramenta poderosa, mas o paciente deve estar devidamente preparado para embarcar nessa batalha pela saúde.