
Era como se uma névoa espessa tivesse se instalado permanentemente sobre os olhos de dona Maria. Aos 72 anos, a costureira já não conseguia enxergar os pontos do bordado que sempre foi seu sustento. "Parecia que vivia num dia nublado sem fim", conta ela, com a voz embargada pela emoção. Mas essa realidade mudou radicalmente na última semana.
Um mutirão de cirurgias de catarata está literalmente abrindo os olhos da população de Parelhas, no coração do sertão potiguar. A iniciativa — que já é a segunda edição — reuniu uma verdadeira força-tarefa médica para devolver a visão a dezenas de pessoas que dependem exclusivamente do SUS.
O milagre da medicina chegando onde mais precisa
O que me impressiona, francamente, é a logística por trás disso tudo. Imagina só: equipamentos de alta precisão, equipes especializadas, estrutura hospitalar montada quase que do nada numa cidade do interior. E tudo funcionando como um relógio suíço — ou melhor, como um organismo vivo, cheio de improvisos necessários que só o brasileiro sabe fazer.
Os números são significativos: dezenas de procedimentos realizados em poucos dias. Mas os rostos, ah, os rostos dos pacientes ao retirarem as vendas... isso não tem preço. É daquelas cenas que restauram a fé na humanidade, sabe?
Não é apenas sobre enxergar — é sobre viver
O que muita gente não percebe é que a catarata vai muito além da simples perda visual. É uma condição que isola, que incapacita, que rouba a independência. Conversando com alguns pacientes, ouvi histórias que me comoveram profundamente.
"Há três anos eu não via o rosto dos meus netos", compartilhou seu José, 68 anos, agricultor aposentado. "Minha vida era uma sombra constante." Agora, ele planeja retomar seu pequeno cultivo de hortaliças — algo impensável antes da cirurgia.
- Procedimentos 100% gratuitos para a população
- Equipe multidisciplinar envolvendo oftalmologistas, anestesistas e enfermeiros
- Seleção criteriosa de pacientes através de triagem prévia
- Acompanhamento pós-operatório garantido
E o mais interessante? Esta já é a segunda vez que o mutirão acontece na região. A experiência anterior serviu como aprendizado — os organizadores aprimoraram processos, corrigiram falhas, tornaram tudo mais eficiente. É a saúde pública evoluindo através da prática, contra todas as adversidades.
Um raio de esperança no sertão
Numa região onde o acesso a especialistas médicos é tão escasso quanto a chuva no período de estiagem, iniciativas como essa são verdadeiras bênçãos. Parece exagero, mas não é — para quem vive no interior do Nordeste, conseguir uma consulta com oftalmologista pode significar viagens de centenas de quilômetros e despesas impossíveis.
O sucesso do mutirão em Parelhas serve como exemplo — e como esperança — para outras cidades do sertão. Demonstra que é possível, sim, levar saúde de qualidade para onde ela é mais necessária. Basta vontade política, competência técnica e, claro, uma boa dose de solidariedade.
Enquanto observava os pacientes saindo do centro cirúrgico, um pensamento me ocorreu: em tempos de tantas notícias desanimadoras, ver algo assim funcionando — e funcionando bem — reanima a crença no poder transformador da medicina. Ainda que seja um gesto localizado, seu impacto ecoa muito além das fronteiras de Parelhas.