Amélia, 82 anos, morre sem reencontrar filho doado há 56 anos em SP
Idosa morre sem reencontrar filho doado há 56 anos

Aos 82 anos, Amélia de Freitas Ribeiro faleceu sem realizar o maior desejo dos últimos anos da sua vida: reencontrar e receber o perdão do filho que foi doado há mais de cinco décadas. A idosa morreu após sofrer uma parada respiratória na cidade de Registro, no interior de São Paulo, no sábado, 29 de junho.

A busca pelo perdão e o falecimento

Em entrevista ao g1, a filha de Amélia, Jardete de Freitas, revelou o profundo pesar pela partida da mãe sem que ela tivesse notícias do filho perdido. Amélia começou a expressar o desejo de reencontrar Adauto Lemos Ribeiro há três anos, quando sua saúde começou a declinar significativamente.

Desde então, Jardete assumiu a missão de localizar o irmão, mas as buscas foram infrutíferas. Ela acompanhou a mãe ficando cada vez mais debilitada, até perder a capacidade de andar e falar. "Eu conversei com ela para se sentir perdoada e ir descansar e morar com Deus. Orei por ela, cantei um hino e ela faleceu", relatou a filha, que acredita que a paz finalmente chegou para Amélia.

A idosa foi levada a um hospital, mas não resistiu e faleceu na manhã de sábado. Foi sepultada no domingo, 30 de junho. Mesmo com a perda, Jardete mantém o propósito. "Quero continuar para pelo menos ele conhecer a família, se ele quiser", afirmou, demonstrando esperança de que um dia o irmão possa saber de suas origens.

A história da adoção em 1967

A história remonta a 1967, na cidade de Jacupiranga. Após o nascimento de Adauto, Amélia, que já tinha outros dois filhos – Leonel e Josine –, tomou a dolorosa decisão de doá-lo para um casal que morava na mesma rua. A situação era de extrema dificuldade.

"O pai deles separou da minha mãe com ela grávida e foi embora com outra. Então ela ganhou [Adauto], não tinha condição de cuidar e deu para esse casal", explicou Jardete. Após a separação, Amélia reconstruiu a vida, casou-se novamente e teve outros filhos, incluindo Jardete, mas nunca esqueceu o primogênito doado.

A busca atual esbarra na informalidade da adoção da época. Jardete possui apenas a certidão de nascimento de Adauto e sabe que a família adotiva morou em Cajati, mas o casal já faleceu. Ela percorreu delegacias, hospitais e escolas na região, mas não tem autorização legal para acessar dados pessoais, o que torna a procura um grande desafio.

O contexto da "adoção à brasileira"

O caso ilustra uma prática comum antes da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. O advogado e ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, explicou que a entrega direta de crianças, conhecida como "adoção à brasileira", era permitida.

"Era possível fazer a entrega de criança, inclusive recém-nascidos e bebês, diretamente para outra família, casal ou pessoa. E a criança passava a ter outro lar e família", disse Alves. Hoje, essa prática é considerada completamente irregular. Embora ainda ocorra, pode gerar punições aos adotantes, já que o ECA exige a intermediação da Vara da Infância e da Juventude.

A história de Amélia e sua família é um retrato emocionante de consequências duradouras de decisões tomadas em um contexto social e legal diferente do atual, e de um amor materno que resistiu ao tempo e à distância.