
Imagine abrir uma caixa esquecida no sótão e encontrar aquele ursinho de pelúcia que te acompanhou na infância. Só que o tempo não foi gentil — está desbotado, com um olho solto, a costura se abrindo. É aí que entra em cena um verdadeiro mágico das memórias, um sujeito que faz muito mais que colar plástico e costurar pano.
Na movimentada Santos, esconde-se um desses raros seres humanos. Ele não usa jaleco branco, mas suas ferramentas são igualmente precisas: alicates, colas especiais, agulhas, linhas coloridas e, principalmente, uma paciência de monge budista. Seu consultório? Uma oficina discreta onde brinquedos "doentes" voltam a viver.
Mais Que Conserto, Uma Jornada Emocional
O que ele faz vai muito além do óbvio. Cada objeto traz uma história — às vezes alegre, outras vezes carregada de saudade. Já chegou até ele uma boneca dos anos 60 que pertencera a uma avó falecida. "A neta chorou quando viu a boneca restaurada," conta ele, com aquela voz mansa de quem está acostumado a testemunhar pequenos milagres. "Disse que era como ter um pedaço da avó de volta."
E não são apenas crianças que buscam seus serviços. Adultos — sim, gente grande mesmo — aparecem com carrinhos de controle remoto que marcaram épocas, jogos de tabuleiro com peças faltando, até mesmo aqueles videogames antigos que simplesmente se recusam a ligar. E os idosos? Ah, esses trazem os tesouros mais preciosos: bonecas de porcelana que sobreviveram a mudanças de cidade, ursos que testemunharam gerações.
O Processo Mágico da Restauração
Como funciona esse trabalho minucioso? Primeiro, vem o diagnóstico — ele examina cada peça como um médico experiente. Identifica não apenas os danos visíveis, mas aqueles que só aparecem com o tempo. A seguir, a busca por materiais compatíveis, muitas vezes verdadeiras caças ao tesouro em sebos e lojas especializadas.
- Limpeza delicada, quase cirúrgica
- Substituição de partes danificadas
- Reparos que respeitam a originalidade
- Acabamento que disfarça a intervenção
O mais incrível? Muitos clientes nem querem o objeto parecendo novo — preferem que mantenha suas marcas do tempo, só que funcionando perfeitamente. Como ele mesmo diz, "são as cicatrizes que contam a história".
O Impacto Que Ninguém Vê
O que começou como um hobby — consertar os brinquedos dos próprios filhos — transformou-se numa missão de vida. E os relatos emocionantes se multiplicam: o homem de 40 anos que recuperou o caminhão de bombeiro com que brincava com o pai, já falecido; a senhora que reencontrou a boneca que ganhou no primeiro Natal após a guerra.
Numa era de descartabilidade, onde tudo parece ter prazo de validade, seu trabalho é um resistente silencioso. Ele lembra que objetos simples — um urso, uma boneca, um carrinho — podem carregar afetos que nenhum smartphone será capaz de substituir. E talvez, só talvez, essa seja sua maior lição: que vale a pena preservar não apenas coisas, mas as memórias que elas guardam.
Enquanto houver brinquedos quebrados e histórias para contar, Santos terá seu próprio Doutor Brinquedo — sem alarde, sem holofotes, apenas fazendo sua parte para que algumas memórias nunca envelheçam completamente.